Governança corporativa além da conformidade nas empresas familiares
Empresas controladas e administradas por famílias enfrentam desafios únicos. De um lado, elas contam com a forte influência da identidade e do legado de gerações, traduzida em tradições e valores bem demarcados. Do outro, a mistura de questões pessoais com os negócios, como antigas histórias de infância e dinâmicas de relacionamento entre os diversos membros da família, pode produzir efeitos negativos tanto para a empresa quanto para a própria família. Trata-se de um equilíbrio delicado que merece ser analisado a fundo, caso a caso.
Quando trabalham harmonicamente, as famílias são capazes de desenvolver e perpetuar empreendimentos de sucesso, como se observa em vários casos brasileiros e estrangeiros — os grupos Itaú Unibanco, Baumgart, Rodobens, Walmart, Volkswagen, Tata e Heineken são bons exemplos. Para tanto, é necessário o alinhamento e o efetivo compromisso dos envolvidos em questões relevantes de governança corporativa da empresa familiar, que vão além do mero cumprimento de regras e leis. A família, os acionistas e a alta gestão precisam estar de fato conscientes de seus respectivos papéis e engajados com o desenvolvimento, a perpetuidade e a saúde financeira dos negócios da empresa, cada um atuando com lealdade e apoio dentro de suas esferas.
Influências sutis
As influências das famílias nas empresas são, muitas vezes, sutis. O planejamento de governança corporativa e sucessão em empresas dessa natureza envolve o estudo criterioso e aprofundado das características da família e de seus membros, com o diagnóstico da situação atual e a identificação das expectativas futuras, definição de papéis e de pesos e contrapesos de poderes, bem como de regras relativas às questões patrimoniais da empresa (dividendos, investimento, venda de participação societária e liquidez).
Tendo isso em mente, iniciamos com este texto uma série de artigos em que abordaremos os principais aspectos envolvidos na estrutura societária e de governança corporativa das empresas familiares.
Neste primeiro artigo, tratamos do papel da holding familiar e sua importância na estruturação da governança dessas empresas.
A holding familiar
Como já mencionado, as empresas familiares têm características próprias que as distinguem de outros tipos empresariais. Nessas empresas, os papéis da família, da gestão e da propriedade são facilmente confundidos, o que torna mais complexa e desafiadora sua estruturação, desenvolvimento e administração.
Um planejamento cuidadoso e detalhado das estruturas de governança e sucessão das empresas familiares, especialmente considerando as particularidades e o perfil da família e de seus negócios, tem um papel importante na prosperidade e perenidade do grupo familiar, tanto do ponto de vista empresarial quanto do pessoal.
Nessa estruturação, as holdings patrimoniais acabam desempenhando um papel importante e, não por acaso, formam uma das alternativas mais comuns em planejamentos como esse — desempenhando, junto com uma estrutura de governança eficaz, papel importante na distinção entre as várias esferas de atuação da empresa familiar (família, gestão e propriedade) e na redução das tensões familiares.
Muitos acreditam que a criação de holdings familiares ou patrimoniais apenas se justifica na estrutura de grandes grupos empresariais. No entanto, esse pensamento é muitas vezes decorrente do desconhecimento sobre sua dinâmica, vantagens e desvantagens. Uma vez esclarecidas essas dúvidas, muitos empresários, independentemente do tamanho da empresa, acabam optando por aderir à estrutura de holdings, enxergando nela uma forma ordenada e segura de promover o crescimento, a maturação e a perenidade do negócio familiar, além de incentivar maior diversificação dos negócios e envolvimento dos membros da família que mostrem interesse e capacidade de atuação nos negócios.
Vantagens das holdings
Com a concentração dos investimentos em um veículo único, essas holdings oferecem vantagens importantes para o grupo empresarial familiar como:
— a atuação em bloco da família em relação às empresas operacionais controladas por ela ou mesmo em relação ao patrimônio comum contribui para a consolidação de poder e concentração do ponto de contato em relação aos demais sócios e negócios;
— a concentração dos membros da família em uma holding também promove maior eficiência e uniformização do processo de tomada de decisão dentro do núcleo familiar, de acordo com sua própria dinâmica, além de resultar em maior privacidade na tomada de decisões e na solução de eventuais divergências e conflitos entre os membros da família, minimizando os efeitos adversos dessas divergências e conflitos no relacionamento com os demais sócios e nos negócios do grupo;
— a holding familiar destacada das empresas operacionais permite, ainda, maior flexibilidade na definição de regras para o exercício do direito de voto, a participação na administração e a transferência de participação nos negócios que mais se adequem à dinâmica familiar, sem prejudicar o relacionamento ou os acordos firmados com eventuais sócios que não façam parte da família;
— maior eficiência organizacional na administração de negócios diversos controlados pelo mesmo grupo familiar.
Não obstante essas vantagens, a estrutura da holding patrimonial ou familiar pode representar algumas ineficiências tributárias, que devem ser avaliadas caso a caso e contrapostas às vantagens mais relevantes para cada família em particular.
Coautoria de Gyedre Carneiro de Oliveira, sócia-fundadora do Carneiro de Oliveira Advogados e autora do Legislação & Mercados, e Marcella de Souza e Castro Fontana, associada do escritório.