Fisco restringe atratividade de Juros sobre Capital Próprio

Instrução Normativa 2.201/24 altera reserva de incentivos e reduz a base de cálculo do mecanismo

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Um entendimento da Receita Federal sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP) poderá reduzir o uso desse mecanismo de remuneração aos acionistas e deve levar  contribuintes a buscar o Judiciário para evitar a redução da base de cálculo dos JCP, ou seja, para evitar o aumento da carga tributária.

“Inevitavelmente, qualquer redução da base de cálculo dos JCP torna o instituto menos atraente, pois as sociedades ficam mais limitadas no que se refere aos montantes pagos e passíveis de dedução do IRPJ e da CSLL no ano corrente”, avaliam Júlia Barreto e Marina Guimarães, associadas do Freitas Ferraz Advogados. A avaliação sobre a redução da atratividade do JCP é compartilhada por Michel Siqueira Batista e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados.

O entendimento em questão é a Instrução Normativa RFB Nº 2.201/24, que veio para regulamentar a Lei das Subvenções (Lei 14.789/23). A lei trouxe algumas limitações e restringiu a possiblidade de contabilização na base de cálculo dos JCP. Mas, para os tributaristas, a IN 2.201/24 foi além do que a lei previa.

Como os juros sobre capital próprio funcionam

Os JCP são uma espécie de remuneração aos acionistas que proporciona economia tributária para as empresas optantes do regime de lucro real (com faturamento superior a R$ 78 milhões). Eles foram concebidos para incentivar as empresas a financiarem suas atividades por meio de capital próprio (em vez de por meio de empréstimos e financiamentos). Quando a empresa paga JCP aos acionistas, ela pode descontar esse pagamento da base de cálculo do Imposto de Renda.

IN 2.201/24 em desacordo com a Lei das Subvenções

As advogadas do Freitas Ferraz explicam que os JCPs são calculados a partir da aplicação da Taxa de Juros De Longo Prazo (TJLP) sobre o patrimônio líquido da sociedade, respeitados certos limites estipulados em lei. A questão é que há diversas discussões sobre quais contas do patrimônio líquido podem ser incluídas na sua base de cálculo.

A Lei das Subvenções, que alterou radicalmente a tributação das subvenções que as empresas recebem dos Estados, mexeu com algumas dessas contas. Mas, na avaliação dos advogados, a IN 2.201/24 foi mais restritiva do que a lei. A polêmica causada pela IN 2.201/24 está na alteração referente às reservas de incentivo fiscal: o entendimento proíbe que essas reservas integrem a base de cálculo do JCP, mesmo que elas tenham sido destinadas ao aumento de capital social.

Quando uma empresa recebe um incentivo fiscal para expandir a sua capacidade produtiva (subvenção para investimento), pode destinar esse recurso, contabilmente, ao aumento de seu capital social (que é uma das contas do patrimônio líquido) – o que tem impacto no patrimônio líquido e, na prática, aumenta o montante de JCP que pode ser distribuído. De acordo com a IN 2.201/24, esses recursos não podem mais ser contabilizados na base de cálculo do JCP, mesmo que o incentivo fiscal tenha sido destinado ao aumento do capital social.

“Essa última limitação referente à impossibilidade de se computar as parcelas de subvenção para investimento, mesmo que destinadas ao aumento de capital, se destaca das demais por contrariar e extrapolar a previsão na Lei n° 14.789/23, que não prevê tal limitação”, avaliam Batista e Persici.

Barreto e Guimarães, do Freitas Ferraz, avaliam que os impactos são maiores para as sociedades que possuem subvenções para investimento. Elas explicam que, de acordo com o fisco, as sociedades que aumentaram seu capital social com saldos da conta de reserva de incentivos fiscais deverão “expurgar” esse valor para fins de cálculo do JCP. “Isso reduz a base de cálculo do JCP e, consequentemente, poderá diminuir o valor que pode ser pago naquele ano. Logo, sociedades que têm a intenção de realizar o pagamento de JCP deverão reestruturar seus planos para este exercício. Esse impacto é relevante porque, mais uma vez, o instituto do JCP é questionado e gera insegurança para o contribuinte, que vê recorrentes limitações à base de cálculo e, consequentemente, ao montante que poderá ser pago.”

Na entrevista abaixo, as advogadas do Freitas Ferraz e os advogados do Vieira Rezende abordam as alterações trazidas pela IN 2.201/24 – e por que ela pode ser questionada na Justiça.


– O que a IN 2.201/24 da Receita Federal mudou com relação à possibilidade de as empresas deduzirem o JCP na apuração do lucro real? A quem a nova norma se aplica?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A Instrução Normativa n° 2.201/24 foi editada com o objetivo de regulamentar as novas regras aplicáveis à apuração do JCP promovidas pela Lei n° 14.789/23, relacionadas à definição das contas contábeis que poderão ser utilizadas para cálculo do JCP. Assim, a norma se aplica a todas as empresas que apuram IRPJ/CSLL pela sistemática do lucro real e que se utilizam do JCP como instrumento de remuneração de seus acionistas.

De acordo com essa norma, somente poderão ser considerados no cálculo do JCP:  a) as contas de capital social integralizado; b) as reservas de capital correspondentes ao ágio na emissão das ações, c) os lucros e prejuízos acumulados, e; d) as reservas de lucro, excluídas as reservas de incentivo fiscal relacionadas as subvenções para investimento, ainda que destinadas ao capital social (aumento de capital).

Essa última limitação referente à impossibilidade de se computar as parcelas de subvenção para investimento, mesmo que destinadas ao aumento de capital, se destaca das demais por contrariar e extrapolar a previsão na Lei n° 14.789/23, que não prevê tal limitação.

Dito isso, o impacto da referida norma será ainda maior para as pessoas jurídicas que tenham realizado qualquer exclusão de subvenção para investimento nas apurações de IRPJ/CSLL nos últimos anos e tenham distribuído JCP aos seus acionistas.

Júlia Barreto e Marina Guimarães: Os JCPs são uma forma remuneração paga aos sócios/acionistas de uma pessoa jurídica e são calculados a partir da aplicação da taxa de juros de longo prazo (TJLP) sobre o patrimônio líquido da sociedade, respeitados certos limites estipulados em lei. No entanto, há diversas discussões sobre (quais) as contas do patrimônio líquido que poderiam ser incluídas na sua base de cálculo.

Recentemente, com a publicação da Lei nº 14.789/23, não podem ser mais contabilizadas na base de cálculo dos JCP: as reservas de incentivo fiscal e as variações positivas do patrimônio líquido provenientes de operações societárias entre partes relacionadas que não envolvam efetivo ingresso de ativos na pessoa jurídica, com aumento patrimonial em caráter definitivo. Além disso, não poderão ser excluídos do valor do patrimônio líquido os valores negativos alocados em ajuste de avaliação patrimonial.

Entretanto, com a pretensão de regulamentar a nova legislação (Lei nº 14.789/23), as autoridades fiscais restringiram ainda mais a base de cálculo dos JCP por meio da IN nº 2.201/24. O artigo 75, §1º, inciso V da norma determina que a vedação da inclusão da conta de reservas de lucro de incentivo fiscal (prevista na redação da lei) também se refere à parcela que tiver sido destinada ao capital social e à reserva de capital.

Essas novas regras impactam todas as pessoas jurídicas que tenham capitalizado recursos decorrentes da reserva de incentivos fiscais e que utilizam o JCP como forma de remuneração, visto que a eficácia da restrição trazida pela IN nº 2.201/24 é imediata.


– Qual deve ser o impacto dessas mudanças sobre as empresas e instituições financeiras? Ele é relevante?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Considerando a redução tributária proporcionada pelos JCP na ordem de 19%, o impacto será relevante para os contribuintes afetados, representando efetivo incremento de carga tributária.

Isso, porque, tal limitação irá diminuir consideravelmente a parcela de JCP que poderá ser pago pelas empresas, uma vez que terá como efeito a redução da base de cálculo dos juros ao desconsiderar a parcela de incentivos fiscais (subvenções para investimento) mesmo que já destinadas ao aumento do capital social.

Além disso, a IN não aborda reservas já capitalizadas em períodos anteriores à sua edição, o que pode implicar em questionamentos envolvendo exclusão dos valores de reservas de incentivos já capitalizadas antes da publicação da norma em 22/07/2024.

Júlia Barreto e Marina Guimarães: Considerando a natureza da alteração promovida pela IN nº 2.201/24, os impactos são maiores para as sociedades que possuem subvenções para investimento. Como se nota no artigo 198 da IN nº 1.700/17, as subvenções para investimento devem ser reconhecidas no resultado, mas serão destinadas para a conta de reservas de incentivos fiscais. A sociedade, após a destinação para a conta de reservas de incentivos fiscais, só poderá utilizar esse montante para absorver prejuízos ou aumentar o capital social.

Portanto, as sociedades que aumentaram seu capital social com saldos da conta de reserva de incentivos fiscais deverão “expurgar” esse valor para fins de cálculo do JCP. Isso reduz a base de cálculo do JCP e, consequentemente, poderá diminuir o valor que pode ser pago naquele ano.

Logo, sociedades que têm a intenção de realizar o pagamento de JCP deverão reestruturar seus planos para este exercício. Esse impacto é relevante porque, mais uma vez, o instituto do JCP é questionado e gera insegurança para o contribuinte, que vê recorrentes limitações à base de cálculo e, consequentemente, ao montante que poderá ser pago.

Paralelamente, no caso das instituições financeiras, a mudança tende a não ser tão relevante, visto que a reserva de incentivos fiscais é composta pelos valores de doações ou subvenções governamentais para investimentos (vide artigo 195-A da Lei nº 6.404/76). Como essas sociedades não costumam ser beneficiárias de incentivos governamentais, o saldo da reserva de incentivos fiscais tende a não ser considerável ao ponto de influenciar o cálculo dos JCP.


– Há pontos da IN 2.201/24 que podem ser considerados controversos? Em caso afirmativo, quais são eles?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O principal ponto é relacionado a inovação promovida pela Instrução Normativa relacionada à reserva de incentivos fiscais já capitalizadas pelos contribuintes que, em nossa visão, vai de encontro ao regramento legal instituído pela Lei n° 14.789/23.

A norma cria um novo conceito de reserva de incentivo fiscal, estabelecendo uma caracterização definitiva dos montantes que independe de sua classificação contábil futura. Equivale a dizer, através da IN n° 2.201/24 a RFB procurou definir a natureza jurídica da reserva de incentivo permanentemente, uma vez reserva de incentivo fiscal, sempre reserva de incentivo fiscal, mesmo que capitalizada.

No entanto, a própria Lei n° 14.789/23 não estabeleceu essa alteração de natureza jurídica da reserva. Para fins legais, quando a reserva de incentivo fiscal é capitalizada, sua natureza jurídica passa a ser de capital social integralizado e, consequente, poderá ser incluída no cálculo do JCP.

Por isso, entendemos que a norma feriu o princípio da legalidade tributária uma vez que tal restrição, além de não poder ser promovida por meio de ato infralegal, contraria o estabelecido na própria lei que a IN incialmente buscou regulamentar, motivo pelo qual a legalidade da IN poderá ser questionada de modo a afastar tal restrição no cálculo do JCP.

Júlia Barreto e Marina Guimarães: Sim. Chamamos especial atenção para a controvérsia entre o inciso IV e o inciso V do §1º da nova redação do artigo 75 da IN nº 1.700/17, modificado pela IN nº 2.201/24.

O inciso IV determina que as contas de capital social considerarão os valores dos atos societários que deram origem aos valores contabilizados, enquanto o inciso V trata da exclusão dos valores registrados, a título de reserva de incentivos fiscais, que foram capitalizados. Ou seja, por mais que um montante referente à reserva de incentivos fiscais seja capitalizado e evidenciado no ato societário correspondente, cumprindo os requisitos do inciso IV, esse valor não poderá ser considerado para fins de cálculo do JCP pela vedação do inciso V.

Essa controvérsia demonstra a incoerência da IN nº 2.201/24 com a vedação dos valores da reserva de incentivos fiscais que foram capitalizados, demonstrando que isso sequer está em linha com a redação completa da própria IN.


– Com a nova regulamentação, a distribuição de resultados por meio de Juros sobre Capital Próprio se torna menos atraente?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Sem dúvida, afinal após a edição da Lei n° 14.789/23 muitos contribuintes utilizaram as reservas de incentivos fiscais para aumento de capital e consequente inclusão dos valores na base de cálculo do JCP. Nesses casos, haverá uma diminuição considerável da parcela que poderia ser paga e, consequentemente, da parcela que poderia ser reduzida para fins de IRPJ/CSLL das empresas.

No entanto, em nossa visão há fortes argumentos para questionar a legalidade dessa regulamentação no Judiciário e garantir a inclusão das reservas na base de cálculo do JCP, uma vez que a norma extrapolou e contrariou a Lei n° 14.789/23 .

Júlia Barreto e Marina Guimarães: Sim. Inevitavelmente, qualquer redução da base de cálculo dos JCP torna o instituto menos atraente, pois as sociedades ficam mais limitadas no que se refere aos montantes pagos e passíveis de dedução do IRPJ e da CSLL no ano corrente. Além disso, será necessário ter maior controle sobre os valores da reserva de lucros de incentivo fiscal que foram capitalizados, visto que a regra não traz limitação sobre montantes capitalizados anteriormente, para não os incluir nos cálculos e evitar questionamentos por parte das autoridades fiscais.


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