Flexibilização de regras trabalhistas em meio à pandemia gera controvérsias

Sob pressão, governo tenta acomodar interesses de empresas paralisadas e de trabalhadores que não podem ficar sem salários

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A polêmica em torno da Medida Provisória 927/20, editada no último dia 22 de março, dá bem a medida da complexidade da situação econômica desencadeada pela pandemia do novo coronavírus. O texto da MP propôs alterações importantes nas relações trabalhistas enquanto durar a crise, envolvendo pontos como teletrabalho, antecipação de férias individuais, suspensão temporária dos depósitos para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), concessão de férias coletivas e interrupção de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho. Foi imediata, no entanto, a reação negativa ao artigo 18, que permitia a suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses com manutenção do vínculo empregatício, mas sem o pagamento de salários — a ponto de o governo ter desistido da ideia no dia seguinte, editando a MP 928/20.

“A polêmica em torno do artigo 18 da MP 927/20 decorreu da autorização dada para a suspensão temporária do contrato de trabalho sem a obrigação do pagamento de salário”, destaca Luis Nankran, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados e afiliado ao Legislação & Mercados. Segundo ele, nesse caso, o contrato de trabalho seria suspenso e ficaria a critério do empregador pagar ou não ao funcionário o salário ou parte dele. O empregado também não receberia qualquer forma de auxílio governamental.

Mesmo sem o artigo que desencadeou as críticas, ainda não estão muito claros os rumos da MP 928/2020. A seguir, Nankran comenta outros aspectos e implicações da nova MP, que está parada no Congresso, para as relações trabalhistas.


Uma aprovação da MP 928/2020 como está teria quais consequências a longo prazo, do ponto de vista das empresas e dos trabalhadores?

A medida provisória flexibiliza várias questões trabalhistas. Muitas delas têm sido consideradas inconstitucionais, em virtude da interpretação de ocorrência de supressão de direitos dos trabalhadores. Cabe destacar que a MP estabelece que suas regras valem pelo período em que perdurar o estado de calamidade pública. Ocorre que não se sabe quanto tempo vai durar esse estado nem quais serão as interpretações dos tribunais a respeito das medidas que serão adotadas. 

A MP saiu num momento de crise e de perturbação econômica e social e, em que pese apresentar diversas medidas inéditas que podem ser adotadas nas relações de trabalho, não foi suficiente para dar segurança aos empregados e empregadores durante a crise que está sendo vivenciada. Isso acontece especialmente porque, dada a complexidade da norma, os empregados têm a sensação de que seus direitos estão sendo suprimidos. De outro lado, as empresas estão receosas de adotar normas de alta complexidade, o que pode acarretar prejuízos a médio ou longo prazos.

Quais seriam os outros pontos controversos?

Um deles é o artigo 2º, que autoriza empregados e empregadores a adotar medidas e fazer concessões para evitar a rescisão contratual durante o período de calamidade pública, desde que mediante um acordo individual escrito. Esse acordo, segundo a MP, prevalece sobre as disposições contidas na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e nos instrumentos coletivos. Embora o artigo disponha que o acordo individual escrito deve respeitar os limites da Constituição Federal, não ficam claros os limites dessa negociação individual. A própria Constituição exige a participação dos sindicatos para a adoção de determinadas hipóteses de flexibilização dos direitos trabalhistas — como, por exemplo, a redução salarial. Portanto, é necessária muita cautela nos acordos individuais escritos, pois o atual cenário jurídico de exceção não permite que sejam afastadas as disposições constitucionais de regulação do trabalho.

Sob pressão, o governo excluiu o artigo que tratava da suspensão dos contratos de trabalho sem pagamento de salários. Na sua opinião, existe a chance de uma volta dessa ideia?

Sindicatos patronais e diversos setores do empresariado afirmam que algumas empresas, especialmente as que foram obrigadas a fechar seus estabelecimentos por causa das medidas de isolamento social, não conseguirão manter seus funcionários caso o governo não adote novas medidas de auxílio. Por isso, o Executivo estuda a possibilidade de editar uma nova medida provisória, para regulamentar a suspensão do contrato de trabalho com redução de salários em até 70%, com a complementação bancada pela liberação de seguro desemprego.

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