Entendimento do fisco demanda atenção em permutas de imóveis

Operações com terrenos permanecem isentas de IR, mas imposto é devido nas trocas de imóveis com edificações

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Muitas incorporadoras se interessam por terrenos nos quais já há construções de imóveis residenciais e fecham acordos de permuta – troca do imóvel residencial por unidades do empreendimento que será construído. Frequentemente também, o acordo envolve um pagamento adicional em dinheiro (torna) ao proprietário. Uma recente Solução de Consulta da Receita Federal sobre esse tipo de transação demanda atenção dos contribuintes: o fisco entende que o Imposto de Renda sobre ganho de capital deverá ser pago como numa operação comum de compra e venda de imóveis residenciais, mesmo que a transação tenha sido de permuta.

“É uma sinalização importante para os contribuintes que pretendem realizar operações de permuta por unidades imobiliárias com terrenos que já tenham edificações”, avaliam Michel Siqueira Batista e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados. Mas Siqueira e Persici lembram que as transações que envolverem terrenos sem edificações e as operações de permuta sem previsão de recebimento de torna, lavradas através de escritura pública, permanecem excluídas do ganho de capital.

A Solução de Consulta Cosit nº 128/24, que orienta a fiscalização, foi motivada por um contribuinte que era proprietário de um imóvel residencial (prédio e terreno) e que firmou um contrato com uma incorporadora. Em troca do seu imóvel, receberia unidades comerciais autônomas que seriam construídas. Também receberia um pagamento complementar em dinheiro (torna) em parcela única, no mesmo ano. “A principal questão levantada foi se a operação poderia ser caracterizada como uma permuta de imóveis com torna”, explicam Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira, associadas do Freitas Ferraz Advogados. Se assim a Receita permitisse, o contribuinte pagaria o Imposto de Renda (IR) apenas sobre o ganho de capital relativo à torna (valor complementar recebido em dinheiro), às alíquotas de 15% a 22,5%, e não sobre o IRPF ser calculado sobre a diferença entre o valor a ser recebido e o custo de aquisição do imóvel.

A interpretação restritiva da Solução de Consulta Cosit nº 128/24

As advogadas explicam que o fisco entendeu que a operação não podia ser equiparada à permuta para fins tributários, uma vez que esta se restringiria somente às operações de compra e venda de terrenos, não abrangendo a compra e venda de qualquer tipo de unidade imobiliária. “Portanto, no caso analisado – que envolveu operação de compra e venda de imóvel residencial, e não de terreno – não se aplicaria tal equiparação”, afirmam Merlo e Moreira.

A interpretação da Receita foi considerada restritiva. “Pela leitura da Solução de Consulta Cosit nº 128/2024, parece-nos que a Receita Federal deixou de considerar que o interesse da incorporadora se restringia ao terreno, e não visava ao imóvel residencial que foi objeto da negociação”, afirmam Merlo e Moreira. Por outro lado, ponderam, as autoridades fiscais estão vinculadas ao artigo 111, II do Código Tributário Nacional (CTN), que veda a interpretação extensiva de normas que implicam em dispensa de tributação.

Batista e Persici consideram que houve uma interpretação restritiva do artigo do CTN, uma vez que, em operações desse tipo, o interesse das incorporadoras, geralmente, é no terreno, e não na edificação. “Tendo em vista que esse arranjo contratual é comum nesse tipo de operação, convém avaliar medidas judiciais para afastar o entendimento da Receita Federal.”

Na entrevista abaixo, as advogadas do Freitas Ferraz e os advogados do Vieira Rezende explicam a Solução de Consulta Cosit nº 128/24.


– Qual caso motivou a consulta de um contribuinte à Receita Federal, que resultou na Solução de Consulta Cosit nº 128/24?

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: A Solução de Consulta Cosit nº 128/2024 foi formulada por contribuinte proprietário de imóvel residencial (prédio e terreno), que firmou Instrumento Particular de Promessa de Permuta com Unidades a Construir com Reposição (Torna) junto a uma incorporadora imobiliária. Em troca do imóvel residencial, foi acordado que o contribuinte receberia unidades autônomas, de natureza comercial, em imóvel a ser construído.

A principal questão levantada foi se a operação poderia ser caracterizada como uma permuta de imóveis com torna. Isso porque o artigo 132, §1º do Regulamento de Imposto de Renda (RIR) de 2018 (Decreto nº 9.580/2018) equipara a permuta exclusivamente de unidades imobiliárias – cujo ganho de capital está excluído da tributação pelo IRPF – às operações quitadas de compra e venda acompanhadas de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias construídas ou a construir.

Se essa caracterização se confirmasse, a tributação pelo IRPF incidiria apenas sobre o ganho de capital relativo à torna (valor complementar recebido em dinheiro), às alíquotas de 15% a 22,5%.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O caso que motivou a solução de consulta envolvia um proprietário de imóvel residencial (prédio e respectivo terreno) que no ano de 2021 pactuou a troca do seu imóvel por unidades autônomas de natureza comercial em imóvel que seria construído por uma incorporadora imobiliária. Além da permuta, a transação envolvia também um pagamento complementar em dinheiro (torna) em parcela única, no mesmo ano. A transação foi formalizada através de duas escrituras públicas: escritura pública de compra e venda e escritura pública de novação, confissão de dívida e promessa de dação em pagamento de unidades autônomas.

Nesse sentido, o contribuinte formulou consulta a fim de confirmar entendimento no sentido de que não haveria incidência de Imposto de Renda sobre ganho de capital por se tratar de operação equiparada à permuta, conforme previsão contida no §1º do artigo 132 do RIR/2018 (operação de compra e venda de terreno acompanhada de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias a construir).


– Como a Receita Federal se posicionou frente ao questionamento do contribuinte?

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: A Receita Federal entendeu que o §1º do artigo 132 do RIR/2018 equipara a permuta de unidades imobiliárias somente às operações de compra e venda de terrenos, não abrangendo a compra e venda de qualquer tipo de unidade imobiliária. Portanto, no caso analisado – que envolveu operação de compra e venda de imóvel residencial, e não de terreno – não se aplicaria tal equiparação. Consequentemente, a entrega do imóvel residencial deveria ser tratada como operação de compra e venda, devendo o IRPF ser calculado sobre a diferença entre o valor a ser recebido e o custo de aquisição do imóvel (e não apenas sobre a “torna”).

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: No entendimento da Receita Federal, a equiparação à permuta prevista na legislação deve ser aplicada para casos que envolvam apenas terrenos. Como o caso do contribuinte girava em torno de transação envolvendo imóvel residencial, a previsão legal não poderia ser aplicada, de modo que deveria ser tratada como uma operação de compra e venda.

Adicionalmente, o fisco manifestou o entendimento de que é possível a exclusão de tributação do ganho de capital na hipótese de operações de permuta realizadas por contrato particular, desde que a escritura pública lavrada seja de permuta. Como a operação foi formalizada de outra forma (escritura pública de compra e venda, celebrada em conjunto com escritura pública de novação, confissão de dívida e promessa de dação em pagamento de unidades autônomas), não haveria que se falar em operação de permuta. Assim, a Receita Federal entendeu que seria devido o Imposto de Renda sobre ganho de capital conforme as regras gerais aplicáveis a operações de compra e venda de imóveis residenciais.


– O entendimento presente na Solução de Consulta Cosit nº 128/24 se estende a todas as outras operações de permuta de imóveis ou há diferentes tratamentos tributários?

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: A legislação determina que, para que seja conferido tratamento tributário de permuta, é necessário que a escritura, caso exista, seja de permuta, e que a operação envolva necessariamente unidades imobiliárias. Portanto, o entendimento firmado pela Receita Federal refere-se exclusivamente às operações quitadas de compra e venda de terreno, acompanhadas de confissão de dívida e de escritura pública de dação em pagamento de unidades imobiliárias construídas ou a construir, conforme prevê o artigo 132, §1º do RIR/2018. Isso porque, nesse caso específico, embora não haja a lavratura de escritura de permuta, a própria legislação tributária confere tal equiparação.

Nos demais casos de permuta, aplica-se a regra prevista no artigo 132, II do RIR/2018, na qual apenas a parcela recebida a título de torna será tributada pelo IRPF como ganho de capital.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A Solução de Consulta se limita aos casos envolvendo ganho de capital auferido por pessoas físicas em operações de troca de bem imóvel (terreno com edificação) por unidades a construir, ainda que formalizada por meio de escritura pública de compra e venda, celebrada em conjunto com escritura pública de novação, confissão de dívida e promessa de dação em pagamento de unidades autônomas. É uma sinalização importante para os contribuintes que pretendem realizar operações de permuta por unidades imobiliárias com terrenos que já tenham edificações.

De qualquer forma, as operações que envolvam terrenos sem edificações e operações de permutas sem previsão de recebimento de torna lavradas através de escritura pública permanecem excluídas do ganho de capital.


– Em sua visão, o entendimento presente na Solução de Consulta Cosit nº 128/24 é bem fundamentado?

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: Pela leitura da Solução de Consulta Cosit nº 128/2024, parece-nos que a Receita Federal deixou de considerar que o interesse da incorporadora se restringia ao terreno, e não visava ao imóvel residencial que foi objeto da negociação.

De qualquer forma, apesar de a Receita Federal ter adotado uma interpretação restritiva do §1º do artigo 132 do RIR/2018, o entendimento de afastar a equiparação do caso analisado com uma operação de permuta de unidades imobiliárias foi bem fundamentado – especialmente considerando que as autoridades fiscais estão vinculadas ao artigo 111, II do CTN, que veda a interpretação extensiva de normas que implicam em dispensa de tributação.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: É um posicionamento baseado em uma interpretação restritiva da norma (inciso II do artigo 111 do CTN), sobretudo considerando que em operações deste tipo o interesse das incorporadoras, geralmente, é no terreno, e não na edificação. Tendo em vista que esse arranjo contratual é comum nesse tipo de operação, convém avaliar medidas judiciais para afastar o entendimento da Receita Federal.


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