Entendimento da Receita Federal beneficia shoppings virtuais

Fisco esclarece que receita dos marketplaces é composta apenas pelo valor das comissões

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Durante a pandemia de covid-19, os consumidores passaram a comprar mais por meio de marketplaces e a usar aplicativos de entregas. Além de ganharem impulso por causa do isolamento social, essas plataformas também foram beneficiadas por um entendimento favorável da Receita Federal. Por meio da Solução de Consulta 170 de 2021, publicada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), ficou esclarecido que apenas o valor cobrado a título de comissão — e não o valor total das compras — será considerado como receita bruta dos marketplaces. 

“O entendimento está correto na minha opinião, pois, ao realizar mera intermediação de negócios, o marketplace apenas embolsa os valores relativos à comissão cobrada. Os demais valores são receita do vendedor das mercadorias ou do prestador de serviços”, afirma a advogada Sarah Partika, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. 

A Receita Federal estabelece, no entanto, que a cobrança de tributos dos marketplaces sobre as comissões seja feita apenas se a relação de prestação de serviço de intermediação for bem definida entre a plataforma e os vendedores. Ela deve indicar, por exemplo, todos os serviços que serão prestados e definir a forma de remuneração por meio de contrato. “Esse documento deve estipular as obrigações e a presença de nota fiscal de intermediação de serviço entre plataforma e vendedor”, explica a advogada. 

Partika considera que, apesar de o entendimento do fisco não ser uma novidade, ele gera segurança jurídica e estabilidade para os prestadores de serviço de intermediação. A seguir, a advogada detalha aspectos importantes da Solução de Consulta 170


Qual foi o entendimento da Receita Federal a respeito da receita dos marketplaces?

Sarah Partika: Os marketplaces são plataformas digitais que podem intermediar compra e venda de produtos e serviços ou servir como meio de pagamento para lojistas, por exemplo. Na maior parte dos casos, o marketplace presta o serviço de aproximar consumidores de um produto ou serviço, fornecido pelos vendedores ou prestadores do serviço. 

O valor da compra é pago, em geral, através da própria plataforma, que repassa ao vendedor o valor cobrado pelo produto/serviço e retém para si a comissão, que corresponde ao valor cobrado pelo serviço de intermediação prestado, que pode variar de 5% a 15% do valor comercializado. 

Conforme mencionado, o marketplace normalmente é remunerado pela comissão cobrada. Nessa linha está o entendimento expresso pela Receita Federal na Solução de Consulta 170 de 2021, que determina que apenas o valor cobrado a título de comissão será receita do marketplace — e não o valor total das compras. A meu ver, o entendimento está correto, pois, ao se tratar de mera intermediação de negócios, o marketplace apenas embolsa os valores relativos à comissão cobrada. Os demais valores serão receita do vendedor das mercadorias ou do prestador de serviços, que realmente efetuou as vendas e prestou os serviços ao consumidor final.


Quais são as condições para que não haja tributação sobre as quantias totais repassadas aos lojistas?

Sarah Partika: A Solução de Consulta (SC) 170/21 explicita a importância da definição contratual das relações jurídicas das partes envolvidas: plataforma, vendedor e comprador. Assim, para que a receita do marketplace seja exclusivamente as comissões cobradas, a relação de prestação de serviço de intermediação deve ser bem definida entre a plataforma e os vendedores, indicando todos os serviços que serão prestados e definindo a forma de remuneração por meio de contrato, além de ser atestada pelas notas fiscais. Nesse sentido, é demandado contrato que estipule as obrigações e a presença de nota fiscal de intermediação de serviço entre plataforma e vendedor. 

Da mesma forma, a SC 170/21 determina que entre os vendedores e consumidores haja contratos e documentos que atestem a relação jurídica de compra e venda. Essa relação deve ocorrer exclusivamente entre eles, sem participação da plataforma. Nesse sentido, a nota fiscal de venda deve ser emitida pelo vendedor — e não pelo marketplace diretamente para o comprador.


Quais são os aspectos que os contratos entre shoppings virtuais e lojas precisam abordar para que os primeiros se beneficiem do entendimento da Receita?

Sarah Partika: Em primeiro lugar, para que os shoppings virtuais se enquadrem na previsão da SC editada, é indispensável que a relação jurídica entre plataforma e vendedores preveja de forma clara quais os serviços prestados pela plataforma e a remuneração cobrada. 

O entendimento apenas se aplica quando há a intermediação de negócios, que é a mera aproximação entre os vendedores e prestadores de serviços e os consumidores desses produtos ou serviços, de forma que qualquer serviço prestado pela plataforma que extrapole o intuito de conectar consumidor e fornecedor pode se caracterizar como serviço distinto, afastando a aplicação da SC. 

Vale ressaltar que essa não é a primeira vez que a Receita Federal expõe seu entendimento sobre o serviço de intermediação. Na SC Cosit 251/17, entendeu-se que a intermediadora apenas atua aproximando as partes envolvidas no negócio, e não irá assumir responsabilidade pelo serviço prestado em nome próprio. 

Assim, bem como acontece em plataformas que todos conhecemos, como Booking.com e Airbnb, a intermediadora aproxima as partes que vão realizar a compra e venda ou prestação de serviço, mas ela não assume em nome próprio quaisquer dos serviços ou produtos oferecidos ao cliente final. É dizer que, apesar de realizar a reserva pelo Booking.com, quem prestará o serviço de hospedagem ao consumidor é o hotel escolhido.


Essa decisão deve impactar significativamente o imposto a ser pago pelos shoppings virtuais?

Sarah Partika: Entendo que a decisão não vai impactar o imposto recolhido pelos shoppings virtuais. Devemos ter em mente que o serviço de intermediação é um modelo de negócio bastante utilizado. Nessa linha, temos inúmeras decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre agências de turismo, por exemplo, que atestam que, desde que a agência não execute os serviços em nome próprio e exerça função de aproximar as partes — isto é, preste efetivo serviço de intermediação — a receita delas será exclusivamente a comissão cobrada. 

A novidade é a intermediação feita por meio de plataforma digital. O exposto na SC 170/21 tratou de replicar o entendimento já consolidado sobre o serviço de intermediação. Por isso, é importante que sejam bem delimitadas as responsabilidades pelo produto ou serviço vendidos e que os documentos — contratos e notas fiscais — reflitam essa relação jurídica de intermediação. 

Apesar de o entendimento expresso não ser novidade, a solução de consulta traz segurança e estabilidade para o entendimento aplicável aos prestadores de serviço de intermediação, já que agora o fisco está vinculado às determinações e aos requisitos apresentados nesse dispositivo.

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