Entendendo o acordo de acionistas: direitos de voto

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Expressamente previsto na Lei das S.As., o acordo de acionistas é um importante instrumento de governança das sociedades por ações, e por meio dele os sócios podem estabelecer regras sobre seu relacionamento no âmbito da companhia, tais como exercício de direito de voto, eleição de administradores e transferência das ações. Vale destacar que o acordo de acionistas pode ser celebrado por todos os sócios ou por parte deles. Isso torna possível a existência de mais de um acordo de acionistas dentro de uma mesma sociedade. 

Iniciamos hoje a publicação de uma série de artigos, nos quais serão abordados os principais aspectos relacionados aos acordos de acionistas.

Neste primeiro texto, apresentaremos algumas considerações acerca dos direitos políticos que podem ser previstos em acordo de acionistas, com enfoque no direito de voto e suas ramificações, em especial os quóruns qualificados, as golden shares, o voto em bloco, as reuniões prévias e o limite de voto. 

Direitos de voto e quóruns qualificados

A Lei das S.As. estabelece como regra geral que a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral. É possível, no entanto, restringir o direito de voto das ações preferenciais ou criar classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural, não superior a dez votos por ação. É por meio do voto, e sempre observados os interesses da companhia, que os sócios se manifestam com relação aos assuntos em pauta em uma assembleia geral, de modo que, a depender da estrutura societária, um único voto pode ser determinante para a aprovação ou rejeição de uma determinada matéria. 

Como regra geral, as deliberações da assembleia geral são tomadas por maioria absoluta de votos (ou seja, maioria dos votos dos presentes à assembleia), não se computando os votos em branco. 

Em que pese os quóruns previstos pela lei, é possível — e bastante comum — que o estatuto social e o acordo de acionistas estabeleçam quóruns superiores de aprovação para as mais diversas matérias, de modo a acomodar as diferentes preocupações e/ou necessidades dos sócios caso a caso. 

Como se verá nos itens a seguir, o acordo de acionistas pode prever, ainda, regras específicas para o exercício do direito de voto, sendo importante sempre assegurar a compatibilidade das regras criadas para que o acordo seja eficaz. 

Golden shares

Outro mecanismo de voto possível são as chamadas golden shares ou, conforme termo utilizado no contexto de privatizações de companhias brasileiras, as “ações de classe especial”. O objetivo das golden shares é permitir que o seu detentor tenha ingerência diferenciada nas deliberações em assembleia geral, mesmo que não seja titular da maioria do capital social da companhia. 

A título de exemplo, no caso da privatização da Embraer, a União passou a deter uma única ação ordinária de classe especial, que confere a ela, dentre outras disposições, o poder de veto em uma série de matérias, incluindo a mudança de denominação da Embraer e de seu objeto social. 

A golden share pode, ainda, ser utilizada em contextos diversos das privatizações. Em empresas familiares, por exemplo, pode ser detida pelo líder familiar, sendo conferida à referida ação determinados direitos especiais que preservem seus interesses no contexto familiar. 

Voto em bloco

O voto em bloco, por sua vez, é um mecanismo capaz de homogeneizar o voto de sócios integrantes de um mesmo grupo. Sob ele, é possível estabelecer os quóruns de aprovação dentro do próprio bloco, de modo que a decisão tomada por referido quórum vincula todos os integrantes do bloco. 

No entanto, as matérias previstas no acordo de acionistas para fins do voto em bloco não são ilimitadas. Conforme disposto no Recurso Especial 1.152.849-MG, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, há distinção entre o voto de vontade, o qual refere-se à manifestação de vontade dos sócios, e o voto de verdade, que consiste na apreciação do acionista com relação à correspondência do documento em questão e à realidade do objeto correspondente. Nesse sentido, é considerado inválido o acordo de acionistas que tem como objeto o voto de verdade, que declara a legitimidade dos atos dos administradores. 

Trata-se de um importante mecanismo, por exemplo, em empresas que tenham como sócios integrantes de diferentes núcleos familiares. Nesse sentido, é possível, via acordo de acionistas, estabelecer que cada núcleo familiar vote em bloco, o que, além de garantir maior representatividade de cada núcleo nas deliberações sociais, acaba sendo uma forma de vincular as gerações futuras. 

A título exemplificativo, atualmente o acordo de acionistas da Natura & CO Holding S.A. estabelece cinco blocos de acionistas, e há um capítulo específico no documento para tratar deles, prevendo, dentre outras questões, a definição de um representante e um suplente para cada bloco, e a indicação de que cada bloco pode firmar acordos de acionistas e/ou de voto entre si para fins de organização da atuação do bloco no âmbito do acordo de acionistas da Natura CO Holding S.A.

Reuniões prévias

As reuniões prévias têm a finalidade de possibilitar que um grupo de sócios (seja o grupo de controle ou não) defina, previamente, seus votos com relação às matérias de uma dada assembleia. O acordo de acionistas, pode, portanto, regular as reuniões prévias, incluindo as regras de convocação, instalação e quóruns de aprovação. 

Muitas vezes, esse mecanismo é utilizado em conjunto com o voto em bloco. Utilizando o mesmo exemplo do item anterior, o acordo de acionistas da Natura & CO Holding S.A. regula as reuniões prévias, as quais devem ser convocadas e realizadas previamente a cada assembleia geral da companhia. Nesse caso, somente os representantes dos blocos de acionistas comparecem, e as deliberações aprovadas na reunião prévia (conforme quórum e regras estabelecidas no acordo) vinculam o voto de todos os sócios que são parte do acordo.

Limite de voto

O limite de voto pode ser previsto nos estatutos sociais e acordos de acionistas como uma ferramenta de governança para limitar a ingerência de determinado acionista ou grupo de acionistas nas deliberações da companhia. Essa limitação pode ser utilizada, por exemplo, para criar paridade entre grupos de sócios — o que em uma empresa familiar pode ser útil na criação do equilíbrio do direito de voto entre núcleos familiares com participação acionária muito diversa, sem alterar os demais direitos inerentes à participação acionária de cada grupo, tal como a participação nos lucros.

A título de curiosidade, vale mencionar que, atualmente, o estatuto social da B3 estabelece o limite de voto dos acionistas, de forma que nenhum acionista ou grupo de acionistas pode, como regra geral, exercer votos em número superior a 7% do capital social.

Com base no disposto acima, fica evidenciada a relevância do tratamento dos direitos políticos em acordos de acionistas, tendo em vista que o tratamento adotado pode influenciar diretamente o resultado das deliberações da assembleia geral. Em nossas próximas publicações, mencionaremos outros aspectos relacionados aos direitos políticos em acordos de acionistas, tais como a eleição de conselheiros e diretores, a vinculação de voto de membros da administração e a solução de impasses.


Colaborou Bárbara Domene, associada do Carneiro de Oliveira Advogados

 

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4 Comentários
  1. […] continuidade à série de artigos sobre o instrumento do acordo de acionistas previsto no artigo 118 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S.As.), abordaremos os direitos políticos dos acionistas […]

  2. […] para evitar que suas ações sejam alienadas a alguém que não tenha os mesmos atributos do acionista cessionário ou em quem os demais acionistas não depositem a mesma […]

  3. […] muito comum que acordos de acionistas possuam cláusulas com a finalidade de regulamentar a transferência de ações de emissão da […]

  4. […] Entendendo o acordo de acionistas: direitos de voto […]

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