Energia solar por assinatura entra em risco

TCU determina que Aneel aprimore a fiscalização de negócio que vinha atraindo empresas e consumidores

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O negócio de energia solar por assinatura vinha crescendo aceleradamente nos últimos anos, mas seu futuro, outrora promissor, agora é incerto. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que apresente um plano de ação para aprimorar a fiscalização do cumprimento do Marco Legal da Geração Distribuída (Lei 14.300/2022).

Paula Padilha Cabral Falbo, sócia do Vieira Rezende Advogados, considera que a energia por assinatura pode estar em risco: “Acredito que pode comprometer tanto a continuidade nos moldes hoje praticados, como também quanto a atratividade do negócio de energia solar por assinatura, principalmente se considerarmos pontos como a insegurança jurídica, o impacto na sustentabilidade do setor, o aumento da regulação e da fiscalização, a dificuldade na disponibilização de subsídios e os recursos públicos para o setor”.

O questionamento do TCU existe porque o modelo de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) é destinado exclusivamente para o consumo próprio de energia – pois concede subsídios para os consumidores que instalarem painéis fotovoltaicos. No entanto, grandes empresas como a Cemig (Cemig SIM) e a Equatorial Energia (por meio da Enova), e empresas menores como a Órigo Energia,  estão atuando por meio da oferta de assinatura de energia – elas constroem usinas de energia solar e vendem cotas para os consumidores. A vantagem para os consumidores é que eles não precisam investir nos equipamentos, mas têm acesso a uma fonte de energia subsidiada, barateando a conta de luz.

O TCU considera que há desvio dos objetivos da MMGD, que busca incentivar a energia para o consumo próprio (de acordo com artigo 28 da Lei 14.300/2022) e não para a comercialização dos excedentes. Além do plano de ação, a Aneel deverá apresentar um diagnóstico da situação e, caso necessário, incluir na agenda regulatória dos próximos dois anos a elaboração/revisão de normas.

Na entrevista abaixo, Falbo detalha os argumentos do TCU em prol de um aperto na fiscalização.


– Qual é o histórico do questionamento, por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre o fornecimento de energia solar por assinatura? 

Paula Padilha Cabral Falbo: O Tribunal de Contas da União (TCU) levantou preocupações sobre a comercialização de energia gerada por usinas solares que operam no modelo de Micro e Minigeração Distribuída (MMGD). Os principais argumentos utilizados referem-se aos seguintes aspectos:

  1. Modelo de produção de energia: Muitas empresas e pessoas estão gerando eletricidade a partir de painéis solares, criando um ambiente de produção limpa e renovável. No entanto, as pequenas usinas fotovoltaicas (até 3 MW ou 5 MW) devem ser utilizadas apenas para consumo próprio, segundo a legislação.
  2. Captura de incentivos: O TCU aponta que empresas estão se aproveitando do modelo de MMGD para realizar vendas não autorizadas de energia, em desacordo com a norma que limita a comercialização de excedentes de energia.
  3. Formação de cooperativas: Há evidências de que empresas estão criando cooperativas ou associações para viabilizar a venda de energia de forma disfarçada. Os consumidores se associam formalmente, mas as estruturas podem não se caracterizar como cooperativas legítimas.
  4. Subscrição por empresas: Empresas do setor, incluindo distribuidoras como Cemig, estão se posicionando nesse mercado de “assinatura de energia”, o que pode gerar um desvio dos objetivos da MMGD, que busca incentivar a energia para consumo próprio.
  5. Planejamento e regulação: O TCU critica a falta de um planejamento centralizado e a ausência de regulação adequada por parte da Aneel, o que pode resultar em captura indevida de subsídios destinados a pequenas usinas que operam dentro das normas.

Em suma, o TCU expressa preocupações sobre a conformidade das práticas atuais de comercialização de energia solar com a legislação existente, sugerindo que essas ações podem distorcer o propósito da MMGD e os incentivos públicos para fontes renováveis.


– Quais são os argumentos do TCU, contrário às empresas de energia solar por assinatura? E quais são os argumentos destas?

Paula Padilha Cabral Falbo: O Tribunal de Contas da União (TCU) se fundamenta sobre a comercialização de energia proveniente da Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) nos seguintes pontos:

  1. Proibição de comercialização: A Lei 14.300/2022, especialmente o artigo 28, estabelece que a MMGD é destinada exclusivamente ao consumo próprio. Essa disposição é reforçada pela REN Aneel 1.059/2023, que proíbe explicitamente a comercialização de créditos de energia e a obtenção de benefícios na alocação desses créditos (artigo 655-M).
  2. Inclusão no SCEE: A regulamentação também veta a inclusão de unidades de micro e minigeração no Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) se houver arrendamentos onde o pagamento é feito com base na energia gerada, evitando assim a venda implícita de energia.
  3. Fiscalização pela distribuidora: A responsabilidade pela fiscalização das unidades de MMGD recai sobre as distribuidoras, que devem monitorar práticas que possam violar as normas, como a divisão de centrais geradoras para atender aos limites de potência (artigo 655-E).
  4. Mecanismos de burla: O TCU alerta que existem arranjos societários que podem estar sendo utilizados para burlar a legislação, resultando em vendas encobertas de créditos de energia a consumidores que legalmente não podem acessar o mercado livre.
  5. Consequências setoriais: A prática irregular de comercialização de créditos de energia pode ter impactos negativos ainda não totalmente avaliados para o setor elétrico, desvirtuando o propósito da MMGD, que visa o autoconsumo.

– O posicionamento do TCU vai influenciar a fiscalização do negócio de energia solar por assinatura por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)? 

Paula Padilha Cabral Falbo: Certamente sim, pois em 24/07/2024, o TCU publicou o Acórdão nº 1473/2024 – TCU – Plenário onde determina à Agência Nacional de Energia Elétrica que, dentre outras providências: (i)  apresente ao TCU, no prazo de sessenta dias, plano de ação contemplando as medidas acerca de aprimoramentos na fiscalização sobre o devido cumprimento e aperfeiçoamento da regulação relacionados ao artigo 28 da Lei 14.300/2022, e os respectivos prazos para a implementação; e (ii) conclua, no prazo de noventa dias, a Tomada de Subsídio 18/2023, o diagnóstico do tema e a avaliação da necessidade de aprimoramentos nos normativos que estão relacionados ao artigo 28 da Lei 14.300/2021 e, havendo a necessidade de aprimoramentos, incluir uma atividade na Agenda Regulatória 2025-2026, que tem previsão de conclusão no último trimestre de 2024.


– Em sua visão, essa questão traz risco para a continuidade ou para a atratividade do negócio de energia solar por assinatura?

Paula Padilha Cabral Falbo: Sim. Acredito que pode comprometer tanto a continuidade nos moldes hoje praticados, como também quanto a atratividade do negócio de energia solar por assinatura, principalmente se considerarmos pontos como a insegurança jurídica, o impacto na sustentabilidade do setor, o aumento da regulação e da fiscalização, a dificuldade na disponibilização de subsídios e os recursos públicos para o setor.


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