Empresas obtêm liminares para postergar tributos, mas Receita pode reagir

Diante da possibilidade de perda de arrecadação em meio à pandemia, fisco tende a editar norma para se contrapor às decisões baseadas na Portaria nº 12/2012

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No último dia 3 de abril, a Receita Federal publicou a Portaria ME nº 139/2020, que altera os prazos para pagamento da contribuição previdenciária patronal, do PIS/Pasep e da Cofins. Decorrente da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, a portaria prorrogou os vencimentos referentes a abril e maio de 2020 para agosto e outubro, respectivamente.

A medida, entretanto, não é ampla o bastante para frear os pedidos de adiamento do pagamento de tributos por parte de empresas, segundo especialistas. “A Portaria ME nº 139/2020 nada diz sobre outros tributos federais, como o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ), o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL)”, afirma Pedro Franco Mourão, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados e afiliado ao Legislação & Mercados.

Algumas empresas conseguiram liminares no Judiciário para postergar o prazo de pagamento de seus impostos. Essas permissões foram proferidas com base na Portaria nº 12/2012, que prevê a prorrogação das datas de vencimento para contribuintes que tenham como domicílio municípios localizados em estados com calamidade pública declarada. “Nesse caso, todos os tributos federais, bem como os prazos processuais no âmbito da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), são prorrogados até o último dia útil do terceiro mês subsequente”, ressalta Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados e associado ao Legislação & Mercados.

Ocorre que essa movimentação pode fazer a Coordenação Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal editar uma norma contrapondo a aplicação da Portaria nº 12/2012 ao cenário de crise decorrente da covid-19. De acordo com Mourão, como as liminares prejudicam a arrecadação federal — e, consequentemente, podem afetar as receitas necessárias ao combate à pandemia — caberia ao governo federal, e não ao Judiciário, estabelecer as regras para o pagamento dos tributos.

A seguir, Braichi, Mourão e Alamy Candido, sócio do Candido Martins Advogados e também afiliado ao Legislação & Mercados, discutem o adiamento de tributos com base em ambas as portarias.


Algumas empresas conseguiram liminares para adiar o pagamento de seus tributos federais com base na Portaria nº 12/2012. Quais benefícios isso pode gerar para as companhias diante da crise gerada pela pandemia de covid-19? Há possíveis prejuízos? 

Diversas empresas ajuizaram ações judiciais pleiteando, considerando a crise gerada pela covid-19, a prorrogação do pagamento dos tributos por três meses, sob o argumento da aplicabilidade da Portaria nº 12/2012. O ajuizamento das ações e, consequentemente, o êxito obtido com decisões liminares pode gerar vários benefícios para as empresas. Deixando de pagar os tributos, elas podem ter maior fluxo de caixa e concentrar os pagamentos em outras despesas essenciais, levando em consideração a provável perda de receita durante o período de crise. Inclusive, em diversas decisões em que se concedeu liminar, a justificativa vai no sentido de manutenção das atividades das empresas, gerando renda e também empregos.

Com o deferimento da liminar, não se verifica qualquer prejuízo às companhias, considerando que a prorrogação do pagamento dos tributos ocorrerá sem multa, juros ou qualquer outra penalidade. As empresas devem ficar atentas tão somente à eventual revogação da liminar ou, ainda, a eventual norma editada pelo governo prevendo e regulamentando o pagamento dos tributos. Nesse caso, contando com uma assessoria jurídico-tributária, as empresas deverão se adequar para a real situação.

Considerando o grande apelo por parte dos contribuintes, o Ministério da Economia e a Receita Federal prorrogaram por quatro meses o prazo para pagamento da contribuição previdenciária patronal, do PIS/Pasep e da Cofins, por meio da Portaria ME nº 139/2020. Ela estabelece a prorrogação dos vencimentos com competência de abril e maio de 2020 para agosto e outubro de 2020, respectivamente. Efetuado o pagamento até esses novos prazos, não haverá a incidência de juros ou multa de mora.

A possibilidade de se obter o direito ao diferimento de tributos judicialmente é uma importante aliada para os contribuintes mais afetados pelos impactos econômicos da covid-19, uma vez que permite um alívio de caixa momentâneo para as empresas.

Mesmo após a publicação recente da Portaria ME nº 139/2020, a obtenção das liminares com base na Portaria nº 12/2012 ainda pode ser considerada. Isso porque a portaria de 2012 permite o diferimento de todos os tributos federais por três meses, não apenas do PIS e da Cofins, do INSS patronal e do CPRB [Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta] de março e abril, como faz o texto de 2020. Porém, em termos de prejuízos possíveis, essa medidas liminares podem ser prejudiciais para os dois “lados” da história — contribuintes e União.

Em relação aos contribuintes, como se sabe, as liminares podem ser confirmadas ou não pelos tribunais, por meio de agravo de instrumento interposto pela União. Caso as decisões de segunda instância sejam desfavoráveis aos contribuintes, o efeito benéfico da liminar pode resultar em falso alívio de caixa. Uma vez obtida a liminar, os recursos que seriam destinados ao pagamento dos tributos podem ter sido remanejados para outras despesas. Ocorre que a obrigação tributária poderá voltar a ser vigente com uma posterior reversão do resultado e um indeferimento da liminar. Ou seja, um problema que já seria relevante pode se tornar ainda maior.

Já para a União, as liminares resultam em perda imediata da arrecadação, uma vez que os tributos só serão pagos em outros momentos e em termos distintos dos previstos na Portaria nº 139/2020. Esse cenário pode, inclusive, retardar a edição de novas normas que visem a prorrogação para novos tributos.

 

Não existe propriamente um benefício de natureza financeira, uma vez que estamos falando em adiamento de prazo para recolhimento de tributo, e não em exoneração. Os benefícios estão mais ligados ao fluxo de caixa das empresas e à manutenção do negócio e do emprego, pois os empresários podem concentrar seus esforços na gestão dos contratempos e das adversidades provocadas pela pandemia para, num momento mais adequado, readequar o recolhimento dos tributos sem o pagamento de juros e multa.

 


Diante dessa situação, a Receita Federal pode editar norma contra a aplicação da portaria de 2012 no contexto da atual pandemia. Isso frearia os pedidos de adiamento? Esse é um movimento positivo ou prejudicial? 

A prorrogação do pagamento dos tributos leva, como não poderia deixar de ser, à falta de arrecadação federal e, consequentemente, pode afetar as receitas para o combate à pandemia. Esse é o principal argumento levantado pela Fazenda Nacional nas ações ajuizadas pelas empresas. Assim, o objetivo de a Receita Federal editar norma específica contra a Portaria nº 12/2012 é demonstrar que, neste momento de pandemia, compete ao governo — e não ao Judiciário — estabelecer as regras para o pagamento dos tributos. É uma forma de uniformizar, de não beneficiar uma ou outra empresa específica, bem como de não prejudicar outras medidas já adotadas ou a serem adotadas pelo governo.

Outro argumento levantado: a Portaria nº 12/2012 foi editada muito antes da situação provocada pela covid-19, e para algumas situações específicas. Ela não ocorreria, portanto, em situação de pandemia que afeta o País inteiro, com prazo indeterminado e ainda com total imprevisibilidade — a aplicação como pretendida pelas empresas nas liminares poderia causar um rombo enorme na arrecadação federal. Destaque-se, a propósito, que o § 1º do art. 1º da Portaria nº 12/2012 aplica-se tão somente a tributos que vencem no mês de decretação do estado emergencial e aos que venham a vencer no mês seguinte.

Caso o fisco edite alguma norma ou providencie qualquer medida contra a Portaria nº 12/2012, entende-se que isso não acarretaria um freio nos pedidos liminares, principalmente pela proximidade dos vencimentos dos tributos, pela imprevisibilidade do término da crise e também pela falta de receita das companhias. Vale ressaltar, no entanto, que o percentual de liminares indeferidas é bem maior do que o percentual de liminares deferidas, o que pode acarretar uma diminuição, a curto prazo, do ajuizamento das ações. Além disso, o governo vem adotando diversas outras medidas específicas para prorrogação dos pagamentos dos tributos — como é o caso da Portaria ME nº 139/2020, que prorrogou por quatro meses o prazo para pagamento da contribuição previdenciária patronal, do PIS/Pasep e da Cofins.

O Ministério da Economia acabou editando uma norma sobre o diferimento dos tributos federais [Portaria ME nº 139/2020] que permitiu a prorrogação do vencimento do INSS patronal, do PIS e da Cofins, bem como da CPRB das competências de março e abril. Essa medida afetou o pedido de liminares para diferimento dos tributos, mas não encerra a discussão. A portaria de 2012 tem abrangência maior do que o texto de 2020, de forma que ainda é possível que os contribuintes se apoiem nessa norma para requerer o amparo legal para o diferimento dos tributos.

Esse movimento — de diminuição das liminares — tem efeito positivo para os contribuintes inicialmente, visto que o diferimento dos tributos não mais estará totalmente vinculado à decisão judicial, mas já será passível de aproveitamento por regulamentação federal. Entretanto, sem a obtenção de decisão judicial, o contribuinte está vinculado às previsões da Portaria nº 139/2020, que têm alcance mais restrito.

A Receita Federal tem competência para editar norma manifestando sua interpretação contrária à aplicação da portaria de 2012 no contexto da atual pandemia. Entendemos que isso não frearia o movimento dos pedidos de adiamento de recolhimento de tributos, mas certamente dificultaria o êxito dos contribuintes no Judiciário.


Existem outras formas de as companhias adiarem o pagamento de seus tributos nesse cenário?

Para pleitearem a prorrogação dos pagamentos dos tributos, as companhias devem ficar atentas às medidas que vêm sendo adotadas pelo governo: portarias, medidas provisórias, resoluções, dentre outros instrumentos. Já existe a possibilidade de prorrogação do pagamento do Simples Nacional [Resolução 152/2020] e da contribuição previdenciária patronal, do PIS/Pasep e da Cofins. Por outro lado, para pagamento de outros tributos ainda não prorrogados, a única saída plausível seria o ajuizamento de ação judicial.

Enquanto União, estados e municípios não editarem normas postergando o recolhimento de seus tributos, cabe aos contribuintes recorrer ao Judiciário para obter o direito a esse diferimento. Em vista disso, além da busca pela aplicação da Portaria nº 12/2012 quanto aos tributos federais, é possível também que as empresas requeiram o adiamento de tributos em âmbito estadual e municipal, afastando possibilidade de aplicação de penalidades pecuniárias e administrativas em razão da atual situação de calamidade pública causada pela pandemia da covid-19.

É o caso, por exemplo, das ações ajuizadas com base no disposto pelo Convênio Confaz nº 181/2017. Esse convênio permite o adiamento do prazo para pagamento do ICMS por alguns estados para até o último dia do terceiro mês subsequente ao da ocorrência do fato gerador, previsão similar à da Portaria nº 12/2012, apesar de a competência ser distinta.

Desse modo, é importante que as empresas estejam atentas a outras formas de redução do impacto fiscal, por meio de uma revisão interna de procedimentos e busca de novas oportunidades, como a compensação de tributos federais e a recuperação de créditos por meio pelo ajuizamento de ações tributárias.

A forma mais adequada de um contribuinte, individualmente, requerer o adiamento do pagamento de tributos diante do atual cenário é, de fato, acionar o Poder Judiciário. Vale mencionar que, recentemente, o governo federal publicou a Portaria nº 150/2020 e a Instrução Normativa nº 1.932/2020, prorrogando, respectivamente, os prazos para recolhimento de contribuições previdenciárias, PIS e Cofins, bem como postergou o prazo para entrega de obrigações acessórias [DCTF e EFD-Contribuições]. Isso demonstra uma movimentação do Executivo no sentido de cooperar com os contribuintes neste momento de queda de faturamento e de isolamento de seus empregados.

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