Emissões de CRAs batem recorde em 2020
Resiliência do agronegócio diante da crise fomentou operações
A combinação da já reconhecida resiliência do agronegócio brasileiro com a necessidade, a cada dia maior, de recursos para financiamento da produção e da implementação de novas tecnologias no campo culminou com um recorde em 2020. E não se trata de safra: ganharam espaço os certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs), papéis resultantes da cessão de recebíveis para securitização.
Dados da consultoria Uqbar mostram que no ano passado foram emitidos 15,7 bilhões de reais em CRAs, com alta de 28% na comparação com as operações de 2019. Foi o maior volume anual já registrado. No sentido oposto, as emissões de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) recuou 23,5% nessa base, também sob o efeito da atividade no setor correspondente — só que, nesse caso, de sinal negativo, considerando que o mercado imobiliário sofreu com a crise da pandemia.
Os números de 2020 para os CRAs foram superlativos, mas o mercado ainda enxerga amplo potencial para crescimento. “A emissão de CRAs ainda está muito concentrada nas grandes empresas do setor e em volumes altos de emissão. Com a eventual redução da importância da atuação dos bancos públicos no fomento ao crédito do agronegócio é bem possível que haja um aumento ainda maior na oferta desses títulos”, diz Daniel Rodrigues Alves, sócio do Candido Martins Advogados.
Falta ainda um componente nesse mercado, o “verde”, na opinião de Celso Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados. “O desenvolvimento de um mercado de CRAs ambientalmente correto pode endereçar e cobrir o maior desafio do setor agrícola, o ambiental. Os CRAs, ao se utilizarem de uma estrutura robusta, envolvendo agentes fiduciários, auditores, bancos, certificadoras e investidores, têm um potencial disruptivo para a agricultura, e existem investidores ávidos para financiar essas iniciativas”, afirma. “Se os CRAs se tornarem os green bonds brasileiros por excelência, podemos esperar um aumento significativo no volume emitido através do instrumento”, acrescenta.
A seguir, Alves e Contin avaliam outros pontos do mercado de recebíveis do agronegócio.
Levantamento mostra que as emissões de certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) bateram recorde em 2020. A quais fatores você atribuiria esse desempenho?
A resiliência da indústria do agronegócio durante a pandemia certamente foi um fator relevante para o aumento das emissões de CRAs no mercado. Diferentemente dos CRIs, que tiveram uma redução expressiva no valor de captações realizadas em 2020 tendo em vista o fato de o mercado imobiliário (principalmente corporativo e comercial) ter sofrido bastante, o agronegócio se manteve como um bom setor para se investir no ano de 2020. Além disso, os bancos públicos reduziram os empréstimos em geral, o que levou as empresas do agro a buscar o mercado de capitais como alternativa para o crédito bancário.
O CRA é um título de renda fixa emitido por uma companhia securitizadora, com lastro em recebíveis relacionados ao agronegócio. Muitos fatores estão por trás do bom desempenho dos certificados. Pelo lado do investidor, é possível citar o fato de essas operações oferecerem isenção de imposto de renda para pessoas físicas em um cenário de forte queda dos juros; o amadurecimento do mercado de capitais brasileiro, que começa a ver os CRAs e a securitização com maior naturalidade; e uma estrutura testada e segura que está apresentando bons retornos aos investidores.
Também do lado das empresas agrícolas há fatores positivos, que puxam a demanda: a desvalorização do dólar frente ao real gerou um cenário mais benéfico ao setor, que busca o aumento da produção e para isso precisa de capital; e as empresas tiveram forte melhora de seus balanços e estão à procura de novos investimentos financiados por captações de baixo custo. Sendo o CRA uma das opções para funding mais baratas disponíveis hoje em real e a taxa de juros local, fica claro o interesse das empresas na utilização do papel.
Na sua opinião, ainda há espaço para crescimento desse tipo de papel? O agronegócio brasileiro continua um pouco “à margem” do mercado de capitais, apesar de sua importância para o PIB do País?
Sem dúvida a emissão de CRAs ainda está muito concentrada nas grandes empresas do setor e em volumes altos de emissão. Com a eventual redução da importância da atuação dos bancos públicos como fomentadores do crédito da indústria do agronegócio é bem possível que haja um aumento ainda maior de CRAs no mercado.
Sim, e para afirmar isso pode-se verificar os números e os tamanhos dos mercados para os quais os respectivos instrumentos estão direcionados. Conforme os dados da consultoria Uqbar, os CRAs em 2020 representaram 15,7 bilhões de reais, enquanto os CRIs movimentaram 16,7 bilhões de reais [1]. Pode-se ter a falsa impressão de que, portanto, os números são similares. Não são. Enquanto o setor agroindustrial do Brasil representa 21,4% [2] do PIB, a construção civil representa 6,2% [3] e, logo, o setor agroindustrial tem cerca de três vezes o tamanho do setor imobiliário. Fica evidente que as necessidades de capital são diferentes e que existe espaço para crescimento.
De fato, o agronegócio brasileiro continua um pouco “à margem” do mercado de capitais. E existia uma razão histórica, que eram as linhas de crédito subsidiadas e direcionadas pelo Estado ao setor. Ainda que essas linhas ainda existam, percebe-se que o diferencial de juros das linhas subsidiadas frente às linhas de mercado e o volume de recursos ofertados estão em queda, o que favorece a captação por instrumentos de mercado.
Os CRAs continuam sendo um produto financeiro quase que exclusivo de grandes empresas do setor agrícola, é verdade. Hoje o valor médio de uma emissão de CRIs é de cerca de 62 milhões de reais, contra 245 milhões de reais dos CRAs [4]. Considerando que os custos para realização das emissões de CRIs e CRAs são praticamente os mesmos, nota-se uma concentração. Mas esta é mais uma razão para boas perspectivas de crescimento, através da pulverização, e não o contrário.
O que faltaria para os CRAs e outros papéis ligados ao agronegócio alcançarem mais investidores, a exemplo do que aconteceu com os CRIs e com os fundos imobiliários?
Não vejo no horizonte uma pulverização dos CRAs como existe nos CRIs. Isso porque o risco do CRA é um risco corporativo e, por isso, muito mais parecido com as debêntures nesse sentido do que com os CRIs — nos quais se vê riscos mais pulverizados. O que vamos observar é um crescimento maior no volume, mas não necessariamente isso representará um aumento significativo na quantidade de operações. Apesar de o volume de operações de CRA em 2020 ter aumentado significativamente em relação a 2019, o número de operações foi um pouco menor que o ano anterior.
O verde. O desenvolvimento de um mercado de CRAs ambientalmente correto pode endereçar e cobrir o maior desafio do setor agrícola, o ambiental. Os CRAs, ao se utilizarem de uma estrutura robusta, envolvendo agentes fiduciários, auditores, bancos, certificadoras e investidores, têm um potencial disruptivo para a agricultura, e existem investidores ávidos para financiar essas iniciativas. Se os CRAs se tornarem os green bonds brasileiros por excelência, podemos esperar um aumento significativo no volume emitido através do instrumento.
[1] https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/01/19/emissao-de-recebivel-do-agronegocio-tem-recorde-em-2020.ghtml
[2] https://www.cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro
[3] [https://www.acma.eng.br/blog/construcao-civil-e-importante-para-o-pib-brasileiro/#:~:text=A%20constru%C3%A7%C3%A3o%20civil%20%C3%A9%20de,do%20total%20da%20ind%C3%BAstria%20brasileira.]
[4] https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/01/19/emissao-de-recebivel-do-agronegocio-tem-recorde-em-2020.ghtml
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