Em busca de melhor desempenho, produtores emitem CRA verde

Títulos aliam benefício fiscal ao incentivo a boas práticas ESG

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Produtores rurais preocupados com a preservação do meio ambiente e com uma possível perda de mercado decorrente do aumento da pressão por boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) vêm encontrando nos certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) verdes uma alternativa atrativa para captar recursos. 

A demanda global por títulos que fomentem práticas ambientais é crescente, e a maior parte dos recursos tem sido destinada a projetos de energia sustentável. No caso dos CRAs verdes, o dinheiro captado pelos produtores rurais e pelo agronegócio pode ser direcionado para tecnologia sustentável, recuperação de áreas devastadas e alívio da pressão nos biomas brasileiros. 

“Para a emissão do CRA verde, o projeto precisa apresentar metas claras e processos estruturados de monitoramento, com a previsão de emissão de relatórios sobre o uso dos recursos e os impactos verificados, até o vencimento do título”, afirma a advogada Ana Carolina Barbosa, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.  “A certificação, transparência e monitoramento são fundamentais para garantir segurança para o investidor e o cumprimento das metas estabelecidas, evitando-se o greenwashing”, ressalta. 

Uma operação recente de CRAs verdes foi feita pela Usina Coruripe, que vai usar os recursos para financiar 65 produtores de cana-de-açúcar. Para conceder o selo verde à emissão, a certificadora Bureau Veritas analisou, entre outros itens, os fertilizantes usados pelos produtores e suas técnicas de manejo para sequestro de carbono, conforme noticiado pelo Valor Econômico

Barbosa lembra que, para o investidor pessoa física, uma vantagem do CRA verde é a isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos. Para os investidores pessoas jurídicas, também há incentivo fiscal: não é cobrado o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). 

Na entrevista abaixo, a advogada aborda o cenário para os CRAs verdes e explica como é o processo de emissão desses títulos. 


Cada vez mais empresas brasileiras têm recorrido aos chamados “CRAs verdes” para acessar o mercado de capitais. Como funciona esse instrumento de captação? 

Ana Carolina Barbosa: Os certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) são títulos de renda fixa que se lastreiam em projetos de produtores rurais. Quando tais projetos são sustentáveis, baseados nas diretrizes ESG, nas metas do Acordo de Paris e na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), são chamados de CRAs verdes.  

Trata-se de um instrumento financeiro (valor mobiliário) que visa tornar os projetos sustentáveis economicamente interessantes para os produtores rurais, transformando-os em aliados das políticas públicas de combate ao desmatamento, de recuperação de áreas degradadas e de desenvolvimento de um agronegócio de baixo carbono.  

Os CRAs verdes (green bonds ou títulos verdes) são vistos como uma alternativa de financiamento complementar da produção, de financiamento tecnológico e de reposição de capital, considerando que o crédito rural oficial está cada vez mais restrito.  

O título apresenta vantagem fiscal para os investidores pessoas físicas, com a isenção do Imposto de Renda, e isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investidores pessoas jurídicas. Após a negociação do CRA, o investidor passa a ter o direito de receber uma remuneração do emissor do título (que pode se dar por meio de juros fixos ou flutuantes) e, periodicamente ou no vencimento do título, de acordo com o negociado, de receber de volta o valor investido. O título ainda pode ter atualização monetária. 

Para a emissão do CRA verde, o projeto precisa apresentar metas claras e processos estruturados de monitoramento, com a previsão de emissão de relatórios sobre o uso dos recursos e os impactos verificados, até o vencimento do título. A certificação, transparência e monitoramento são fundamentais para garantir segurança para o investidor e o cumprimento das metas estabelecidas, evitando-se o greenwashing. 


Para quais tipos de empresas esse tipo de emissão é interessante? Por quê? 

Ana Carolina Barbosa: As empresas atuantes no agronegócio que têm a intenção de expandir a produção de commodities sem perder o foco nas demandas globais de sustentabilidade (critérios ESG) são as candidatas naturais para o uso dos CRAs verdes.  

Os produtores rurais que precisam de crédito para viabilizar os investimentos em tecnologia sustentável, recuperação de áreas devastadas e alívio da pressão nos biomas brasileiros podem conseguir crédito acessível e de baixo custo por meio dos CRAs verdes. 

Não é novidade que as empresas desalinhadas com padrões de sustentabilidade poderão ser graduadas negativamente e perder competitividade no mercado para empresas comprometidas com os valores ESG. A modernização do agronegócio é indispensável para se preservar a confiança e qualidade dos produtos agrícolas brasileiros. 


E em relação aos investidores? Quais benefícios eles podem ter ao comprar os CRAs verdes? 

Ana Carolina Barbosa: É crescente a demanda global por títulos verdes, tanto por parte dos investidores convencionais quanto pelos especializados em ESG. A maior parte dos recursos acaba financiando projetos de energia sustentável. O fomento dos CRAs verdes pode ampliar os recursos destinados a projetos de agricultura de baixo carbono, recuperação de áreas degradadas, combater o desmatamento e promover a agricultura sustentável e tecnológica no Brasil. 

Por meio dos CRAs verdes, os investidores contribuem para o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris, uma vez que o setor agropecuário é responsável por quase 70% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Ou seja, o cumprimento das metas assumidas não será possível sem o envolvimento do setor agropecuário. Além do mais, os ganhos reputacionais dos investimentos em títulos verdes são inquestionáveis. 


Como funciona a certificação dos CRAs verdes? Quais instituições participam desse processo? 

Ana Carolina Barbosa: A identificação do projeto elegível para ser financiado pelo CRA verde é feita por terceiros independentes, por meio de auditoria (second opinion). Antes da emissão do título, deve ser elaborado um estudo técnico para avaliar os impactos da atividade e do projeto a serem financiados, o que resultará num parecer ou certificado atestando a adequação da destinação dos recursos aos fins a que se destina. O projeto deverá apontar também os mecanismos de transparência e monitoramento das metas, com a previsão de emissão de relatórios periódicos de acompanhamento. Esses estudos técnicos podem ser elaborados por auditorias independentes, que também poderão emitir pareceres no decorrer do projeto, atestando a observância da destinação dos recursos. A certificação é feita por meio de uma avaliação externa, por empresas autorizadas a realizar a análise com base nos Green Bonds Principles (GBP) e no Climate Bond Standards (CBS). 

A emissão do título é feita por uma securitizadora, sendo desnecessária a intermediação de uma instituição financeira para a negociação do título.

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