Eleição de conselheiros na Petrobras atropela governança e revolta investidores

Em carta aberta, Amec considera que decisão à revelia de parecer de comitê terá efeitos de longo prazo para o mercado

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A eleição de dois conselheiros de administração da Petrobras, contrariando parecer do comitê de elegibilidade da estatal, foi vista no mercado como mais um sinal do retrocesso na governança corporativa e na aplicação da Lei das Estatais (Lei  13.303/16). No fim de agosto, a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) se pronunciou sobre o tema na carta de opinião Estatais e o ativismo da estranheza

“Entende-se que o princípio central da lei societária brasileira está sendo abandonado nas estatais: decisões de acionistas e administradores devem ser feitas no legítimo interesse da companhia”, diz a carta da Amec. O documento chama atenção para um ativismo às avessas, feito pelo próprio controlador (a União), que “continua gerindo estatais listadas em bolsa como uma extensão ministerial, visto que nomeações e destituições têm sido realizadas com a mesma discricionariedade aplicada aos cargos públicos”.

O capítulo mais recente da novela da escolha dos administradores da Petrobras se deu durante a assembleia de acionistas realizada no dia 19 de agosto. Mas o histórico de desacertos é longo, como denota a elevada rotatividade no principal cargo da estatal, que teve três presidentes desde abril de 2021. 

O comitê de elegibilidade se manifestou contrário à indicação de dois nomes para o conselho, por considerarem que eles estavam sujeitos a conflitos de interesse. No caso de Jônathas de Castro, secretário executivo da Casa Civil, o comitê observou que sua participação no governo poderia influenciar na condução dos negócios (como a definição dos preços dos combustíveis). Já no caso do procurador Ricardo Soriano de Alencar, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), foi ressalvado que o órgão é parte contra a Petrobras em disputas tributárias. 

No episódio, o que se viu foi que os órgãos técnicos se mantiveram em conformidade com os requisitos legais e de governança, mas foram engolidos por instâncias superiores, que tomaram decisões políticas. Embora o conselho de administração da companhia tenha ratificado o parecer do comitê, recusando as indicações, e a área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha se pronunciado a favor da soberania das regras internas da estatal, o governo insistiu na indicação dos nomes, que foram apresentados no início da assembleia de acionistas do dia 19 de agosto. 

A Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) pediu a suspensão da assembleia para a CVM, mas esta não aceitou porque entendeu que o pedido “foi intempestivo e que possuía vícios e carências formais”. 

Na carta, a Amec pondera que “enorme instabilidade e insegurança jurídica vão prevalecer nas assembleias brasileiras. Permitir que nomes vetados por regras de governança sejam eleitos por construções jurídicas baseadas em pareceres e decisões discricionárias faz com que a própria avaliação pública dos investidores seja comprometida”.  

A carta pontua ainda que o precedente aberto — de retrocesso institucional avalizado pelo regulador de mercado — aumenta a percepção de risco, compromete planos de investimentos privados, gera descontos consideráveis ao valor de mercado das estatais e afasta o país da regulação de mercado de capitais de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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