Difal do ICMS: liminares pró-contribuinte encorajam judicialização

Expectativa é de crescimento no número de ações que pedem pagamento do imposto apenas em 2023

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Muitos contribuintes vêm obtendo liminares favoráveis à cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS (Difal do ICMS) apenas em 2023, o que deve estimular um aumento no número de ações direcionadas à Justiça que solicitam o pagamento do imposto só no ano que vem. Além das liminares, dois outros fatores podem incentivar a judicialização: a tese de que o Difal é uma nova obrigação tributária e a possível opção do Supremo Tribunal Federal (STF) por modular os efeitos da sua decisão quando julgar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) referentes ao tema. 

A polêmica em torno do início da cobrança do Difal do ICMS começou com a publicação da Lei Complementar 190/22 (LC 190/22) em janeiro deste ano. Vários estados entenderam que o Difal não é um novo imposto e publicaram legislações prevendo a sua cobrança imediata. Mas advogados questionam esse entendimento. Na visão de muitos deles, o imposto é uma nova obrigação e só poderia ser exigido a partir do ano que vem — e é justamente isso que as empresas vêm pleiteando ao Judiciário, que tem acolhido muitos desses pedidos por meio da concessão de liminares. 

Paulo Coimbra, sócio do Coimbra, Chaves & Batista Advogados, alerta que há o risco de que algumas dessas liminares sejam cassadas, já que muitos tribunais estaduais não têm câmaras especializadas em matéria tributária e contam com pouca independência para decidir ações relacionadas a essa esfera contra o Estado. “Em matéria tributária, a independência e autonomia dos tribunais estaduais tem se revelado cada vez menos contundente”, observa. 

Na opinião da advogada Fabrícia Júnia de Oliveira Martins, do Mírian Gontijo Advogados, é difícil determinar a probabilidade de manutenção das liminares, uma vez que há divergência a respeito da produção dos efeitos da LC 190/22. No entanto, ela lembra que, caso o STF acolha os argumentos pró-contribuinte, provavelmente optará pela modulação dos efeitos (estabelecimento de marcos temporais a partir dos quais as decisões geram efeitos). Nessa situação, quem ingressou com ações na Justiça seria beneficiado. “Para que as decisões provisórias se mantenham favoráveis ao contribuinte no futuro, é preciso que a ação seja ajuizada enquanto o STF não decide e modula os efeitos da decisão a respeito do tema”, explica.

Na entrevista a seguir, Coimbra e Martins abordam o imbróglio envolvendo o Difal do ICMS.   


Muitos contribuintes vêm obtendo liminares favoráveis à cobrança do Difal do ICMS apenas em 2023. Essas liminares podem encorajar que mais contribuintes busquem o Judiciário para não pagar o imposto neste ano?

Paulo Coimbra: O Difal resulta da repartição da competência tributária entre estados de origem e de destino, no caso das operações interestaduais de circulação de mercadorias. Apesar de cobrado há muitos anos, foi devidamente disciplinado pela Emenda Constitucional 87, que buscou repartir o produto da arrecadação do ICMS nas operações interestaduais entre estados de origem e de destino.

O legislador poderia ter feito mero rateio de receitas mediante um fundo ou encontro de contas entre os estados com regras exclusivamente do direito financeiro, que disciplina a utilização dos recursos públicos. Seria uma opção muito mais simples, mais prática e melhor para o nosso sistema tributário, que já é demasiadamente complexo, e no qual os contribuintes possuem um número exagerado de obrigações. Mas não foi essa, infelizmente, a opção do legislador, de forma contrária ao discurso e à tese esgrimida pelas procuradorias das unidades federativas (UF).  

Muitos procuradores têm dito que a questão do Difal é mera repartição de receita. Entretanto, não se trata simplesmente dessa repartição, tendo em vista que não são normas de direito financeiro, são normas de direito tributário, tendo o legislador decidido repartir a competência tributária para a instituição do ICMS nos casos de operações interestaduais. Esta competência tributária, que foi então revisada e repartida, no que diz respeito às operações interestaduais, pela Emenda Constitucional 87/15 (EC 87/15), foi regulada pela Lei Complementar 190/22 (LC 190/22) nos termos do artigo 146 do Código Tributário Nacional (lei nacional que busca dirimir eventuais conflitos de competência entre diferentes entes tributantes). O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser necessária essa lei complementar ao decidir o Tema 1.093, estando, assim, a controvérsia constitucional solucionada.

 É de se destacar que a opção feita pelo legislador foi uma repartição da competência tributária. Então, o estado de destino, com a EC 87/15, passou a ter competência para tributar, integral ou parcialmente, a operação interestadual. Ao exercer essa competência tributária, instituindo sua lei própria, nos termos da LC 190/22, está se exercendo o poder de tributar, e surge uma obrigação tributária nova, tendo agora como sujeito ativo não mais o estado de origem, mas o estado de destino. 

Há, assim, uma obrigação nova com uma lei nova (lei das UFs de destino) com um sujeito ativo novo — que é o estado de destino — e com todos os elementos da obrigação tributária. Assim, deve-se observar a legislação do estado de destino, legislação essa que deve posteriormente compaginar-se com a LC 190/22.

Nesse sentido, as liminares obtidas pelos contribuintes que já ingressaram em juízo, visando à garantia de seus direitos, encorajará outros a agirem da mesma forma, tendo em vista que, assim, evitam a cobrança precipitada do Difal e protegem-se, inclusive, de uma possível (se não provável) nova modulação de efeitos pelo STF. 

Fabrícia Júnia de Oliveira Martins: Sim, pois o embasamento para que a cobrança do Difal do ICMS ocorra somente a partir de 2023 é o princípio constitucional da anterioridade, previsto no artigo 150, III, “b” da Constituição Federal, que veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. 

Essa previsão constitucional é considerada como um dos direitos fundamentais do contribuinte e uma limitação ao poder de tributar do Estado. Assim, considerando que a Lei Complementar 190 (LC 190/22) foi publicada somente em janeiro deste ano e que o ICMS é um dos tributos que se submetem à regra da anterioridade anual e nonagesimal, o Difal do ICMS não deveria ser exigido do contribuinte neste ano. 


Qual é a probabilidade de que as decisões provisórias, por meio de liminar, se mantenham favoráveis aos contribuintes no futuro? 

Paulo Coimbra: Em matéria tributária, a independência e autonomia dos tribunais estaduais tem se revelado cada vez menos contundente. Percebe-se, em diferentes decisões, em algumas unidades federativas, uma tendência forte de decisões pró-fisco, deixando transparecer um alinhamento indesejável — ao considerar-se e analisar-se à luz da teoria da separação dos poderes — entre Executivo e Judiciário.

Por esse motivo, é concreto o risco de que algumas liminares sejam cassadas, seja porque os tribunais estaduais, em sua grande maioria, não têm câmaras especializadas em matéria tributária — matéria de altíssima complexidade —, seja pela aparente pequena altivez dos tribunais de Justiça (pelo menos de algumas unidades federativas) ao decidir ações tributárias contra o Estado, cuja receita pública é necessária inclusive para compor o orçamento do próprio Poder Judiciário estadual.

Fabrícia Júnia de Oliveira Martins: É difícil determinar uma probabilidade sobre a manutenção de decisões favoráveis ao contribuinte por meio de liminar, pois existe divergência a respeito da produção dos efeitos da LC 190/22.

A matéria está sendo debatida no Supremo Tribunal Federal (STF) (ADI 7.070, 7.066 e 7.075) com argumentos divergentes: argumentos pró-contribuinte sustentando a necessária observância dos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal; argumentos pró-fisco impugnando a constitucionalidade do artigo 3º da LC 190/22 para afastar a referência ao princípio da anterioridade nonagesimal e permitir a imediata exigência do Difal. 

Assim, os estados, sobretudo os que se beneficiarão ao receber a diferença de alíquotas do ICMS, argumentam que a referida norma não institui ou majora um tributo, razão pela qual não precisaria observar os princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal. 

Esse argumento é somado à interpretação de que o STF já havia manifestado a respeito do tema quando, em 2021, julgou inconstitucional algumas cláusulas do Convênio Confaz 93/15 e determinou que a constitucionalidade da exigência do Difal estaria condicionada à existência da edição de lei complementar regulamentadora da Emenda Constitucional 87/15 (ADI 5.469). Nessa oportunidade, o STF modulou os efeitos da decisão, de modo que aqueles que não ajuizaram ação ficaram impedidos de obter em juízo a restituição do Difal. 

Dessa forma, para que as decisões provisórias se mantenham favoráveis ao contribuinte no futuro, é preciso que a ação seja ajuizada enquanto o STF não decide e modula os efeitos da decisão a respeito do tema. 


Para os contribuintes que obtiveram decisões favoráveis por meio de liminar, o que se recomenda com relação ao pagamento do imposto? Eles devem fazer algum tipo de provisão? 

Paulo Coimbra: Aos contribuintes que obtiveram decisões favoráveis, recomenda-se que realizem provisões, tendo em vista que, apesar de a maioria das liminares concedidas ser favorável, o cenário pode mudar no STF, pelas razões já abordadas em item anterior.

Assim, caso ocorra nova modulação de efeitos, é necessário que os contribuintes também se preparem para a possibilidade de desembolsarem os valores devidos em breve (abril de 2022), caso a decisão seja por apenas respeitar a anterioridade nonagesimal (90 dias entre data de publicação e eficácia).

Fabrícia Júnia de Oliveira Martins: Nesse caso, a exigibilidade do Difal estará suspensa e o contribuinte poderá fazer o depósito do montante integral do valor do tributo. Esse depósito afastará a incidência posterior da correção monetária e dos juros, caso a sentença não confirme a decisão liminar. 

Além disso, cumpre ressaltar que nesse caso e por força do artigo 63, caput e parágrafo segundo, da Lei 9.430/96, não haverá a incidência de multa, mesmo que o contribuinte amparado pela concessão da liminar não faça o depósito do montante integral. 


A questão do Difal do ICMS chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Há expectativa de quando ela deve ser julgada e de como a corte pode encará-la?

Paulo Coimbra: Alguns contribuintes já levaram a questão do Difal ao STF, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 7.066 e 7.070.  Na ADI 7.066, o requerente é a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), e na ADI 7.070, é o governador do Estado de Alagoas. As ações pedem, em sede liminar, a suspensão imediata de todos os efeitos da norma por todo o ano de 2022 e postergação da vigência a partir de 1 de janeiro de 2023. Ainda não há previsão de julgamento.

A tendência do Supremo é de julgar o tema de maneira favorável aos contribuintes, tendo em vista que o Tema 1.093 de repercussão geral, que exigiu a necessidade de lei complementar para cobrar o Difal, é posto hoje em prática por meio da LC 190/22. Assim, a LC deve ser seguida na íntegra, incluso seu artigo 3º, cuja previsão vincula os efeitos da lei complementar à previsão constitucional da alínea “c” do inciso III do caput do artigo 150. Esse dispositivo trata da espera nonagesimal (90 dias entre data de publicação e eficácia), bem como faz referência à anterioridade anual (veda cobrança no mesmo exercício financeiro da publicação).

Fabrícia Júnia de Oliveira Martins: Já existem três (ou mais) ações diretas de inconstitucionalidade no STF abordando o tema (ADI 7.070, 7.066 e 7.075) e não há previsão de quando serão julgadas e de como a corte poderá se manifestar a respeito da questão. Contudo, é possível presumir que, caso as decisões sejam fundamentadas nos argumentos pró-contribuinte, provavelmente os efeitos serão modulados, como ocorre com frequência nas decisões em matéria tributária e nas que podem gerar impacto financeiro para o Estado.

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  1. […] capítulo da novela sobre o diferencial de alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias (Difal do ICMS), contribuintes sofreram derrotas. Tribunais de Justiça de pelo menos dez estados cassaram […]

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