Definição sobre o Reintegra ainda está longe

Julgamento do STF sobre o programa foi suspenso; contribuintes também questionam anterioridade de reduções de alíquotas

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Os questionamentos dos contribuintes sobre a oneração das exportações com resíduos de tributos ainda estão longe de chegar ao fim. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no início de setembro, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) – de número 6.040 e 6.055 – que tratam de sucessivas reduções de alíquotas do programa Reintegra, voltado a incentivar as exportações de manufaturados. Logo em seguida, o julgamento foi suspenso com o placar de 3 votos a 2 em favor da União Federal. Mas a controvérsia não deve acabar nem com eventual vitória do governo. Caso este vença, há outro questionamento dos contribuintes, e que versa sobre a aplicação do princípio de anterioridade às reduções de alíquotas e, consequentemente, dos créditos do Reintegra.

“Essas reduções do benefício fiscal aumentaram significativamente a carga tributária suportada pelos contribuintes exportadores, que começaram a questionar a constitucionalidade de tais diminuições, como ocorre nas ADIs 6.040 e 6.055”, explicam Mariana Longo e Maria Alice Laranjeira, associadas do Vieira Rezende Advogados. Criado em 2011 para desonerar as exportações brasileiras e evitar a chamada “exportação de tributos”, o programa Reintegra funciona por meio da devolução de créditos aos exportadores, que podem ser usados para pagar impostos federais. Mas o percentual de créditos devolvidos vem sendo reduzido pelo governo – a alíquota de 3% inicialmente prevista foi baixada para 0,1% em 2018. A questão chegou ao STF.

O princípio do destino e o Tema 1.108

Para os contribuintes, o Reintegra não é um benefício fiscal, e sim uma medida corretiva para garantir a aplicação plena do princípio da não-cumulatividade. Eles argumentam que a Constituição Federal de 88 desonera as exportações para manter a competitividade dos produtos brasileiros no exterior – de acordo com o princípio do destino, segundo o qual as transações de natureza internacional devem ser tributadas no país de destino, e não no de origem. Como no Brasil a não-cumulatividade não é plena, o Reintegra foi criado para minimizar a possibilidade de existência de resíduos tributários para os exportadores (por meio da concessão de crédito tributário). Por outro lado, a União argumenta que o Reintegra é um benefício financeiro e que a alteração das alíquotas não impactaria na não-cumulatividade ou nas regras de imunidades (princípio do destino).

Laranjeira e Longo lembram que também está no STF o Tema 1.108, que trata da aplicação do princípio da anterioridade à redução dos percentuais do Reintegra. Nesse processo do Tema 1.108 (ARE 1285177), os contribuintes defendem que, caso se entenda que o Reintegra é um benefício fiscal – ou seja, que o governo saia vencedor no julgamento das ADIs –, então deverá ser aplicado o princípio da anterioridade às sucessivas reduções de alíquotas do programa. “Nesse sentido, diversos contribuintes pleiteiam o ressarcimento dos créditos que não lhes foram devolvidos em razão dessas reduções de percentuais do benefício sem observância do princípio da anterioridade.”

Na entrevista abaixo, as advogadas do Vieira Rezende abordam os temas relacionados ao Reintegra.


– Qual é o histórico do julgamento, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as alíquotas do Reintegra? 

Mariana Longo e Maria Alice Laranjeira: A discussão retomada no início de setembro ocorre nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6.040 e 6.055. Em resumo, as ações pretendem limitar a autorização do Poder Executivo para fixar as alíquotas aplicáveis ao Reintegra, em virtude de reduções que vêm sendo implementadas via decretos desde 2015.

O Reintegra foi instituído pela Lei nº 12.546/2011, com o objetivo de reintegrar valores referentes a custos tributários federais residuais existentes na cadeia de produção de produtos exportados.

Em setembro de 2014, a Portaria nº 428 estabeleceu, por tempo indeterminado, um percentual de 3% de crédito, que poderia ser usado para o pagamento de tributos federais como o IRPJ, IPI e o Pis/Cofins. Essa porcentagem foi consecutivamente reduzida via decretos a partir de 2015, mas, em maio de 2018, o Decreto nº 9.393/18 reduziu drasticamente o montante de crédito a ser reconhecido, que passou a ser de 0,1%. Tal medida foi tomada com o propósito de compensar a redução de tributos incidentes sobre o óleo diesel – uma das soluções adotadas para dar fim à greve dos caminhoneiros que ocorria na época.

Essas reduções do benefício fiscal aumentaram significativamente a carga tributária suportada pelos contribuintes exportadores, que começaram a questionar a constitucionalidade de tais diminuições, como ocorre nas ADIs 6.040 e 6.055.

O julgamento das ADIs teve início no plenário virtual em 2022, mas, após pedido de destaque pelo ministro Luiz Fux, o debate foi transferido para sessão presencial.

No dia 05/09, o julgamento foi reiniciado, mas foi suspenso em seguida. O placar atual é de 3 votos a 2 em favor da União Federal.


– No que consiste a chamada “exportação de tributos” e de que forma o Reintegra a evitaria?

 Mariana Longo e Maria Alice Laranjeira: A Constituição Federal de 88 confere às exportações um tratamento de desoneração tributária, justamente para que os produtos fabricados no Brasil se mantenham competitivos no mercado internacional.

Tal desoneração também decorre do chamado “princípio do destino”, segundo o qual as transações de natureza internacional devem ser tributadas no país de destino, e não no país de origem. O objetivo é justamente o de evitar a oneração do serviço ou produto exportado com tributos, permitindo que os exportadores atuem em ambiente de concorrência equivalente no mercado internacional.

No Brasil, contudo, ocorre, por vezes, o que se chama de “resíduo tributário”, que é um acúmulo de tributos não recuperáveis pelo produtor exportador, em decorrência da não aplicação plena da não cumulatividade dos tributos nas sucessivas cadeias de fornecimento de bens e serviços até a fabricação do produto final.

Nesse sentido, o Reintegra foi criado como instrumento para viabilizar a desoneração das exportações, por meio da concessão de crédito calculado pela aplicação de uma alíquota fixa sobre as receitas de exportação do contribuinte, visando reduzir ou eliminar o impacto desse acúmulo de tributos no preço final do bem exportado.


– Quais são os argumentos dos contribuintes e da Fazenda Nacional a respeito das alíquotas do Reintegra?

Mariana Longo e Maria Alice Laranjeira: Os contribuintes defendem que o Reintegra não seria um benefício fiscal ou renúncia concedida pelo Poder Público, mas, sim, uma medida corretiva e necessária para garantir a aplicação plena do princípio da não cumulatividade. Nesse sentido, não poderia o Estado, através do Executivo, causar desequilíbrio no princípio do destino previsto na Constituição, em razão de meros fins arrecadatórios ou como manobra de política orçamentária, em detrimento dos exportadores nacionais.

Por sua vez, a União argumenta que o Reintegra seria um crédito incondicionado ou benefício financeiro, de modo que não implicaria em isenção ou desoneração em relação a nenhuma espécie tributária em particular. Em razão dessa natureza, a alteração dos percentuais aplicáveis (alíquotas) não impactaria na não cumulatividade ou nas regras de imunidades (princípio do destino).


– Qual é a importância desse julgamento? E quais são os efeitos esperados, caso o contribuinte vença ou a União vença?

Mariana Longo e Maria Alice Laranjeira: Vale ressaltar que, além das ADIs 6.040 e 6.055, também possui repercussão geral no Supremo a tese do Tema 1.108, que versa sobre a aplicação do princípio da anterioridade à redução dos percentuais do Reintegra.

Neste processo do Tema 1.108 (ARE 1285177), os contribuintes defendem que, caso se entenda que o Reintegra é um benefício fiscal – e não um favor financeiro (subsídio), como defende a União –, deve ser aplicado o princípio da anterioridade às reduções de alíquotas praticadas pelo Poder Executivo. Nesse sentido, diversos contribuintes pleiteiam o ressarcimento dos créditos que não lhes foram devolvidos em razão dessas reduções de percentuais do benefício sem observância do princípio da anterioridade.

Por sua vez, durante o julgamento das ADIs 6.040 e 6.055, o ministro relator Gilmar Mendes – acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli – já manifestou entendimento de que o Reintegra possui a natureza de um benefício fiscal, motivo pelo qual o Poder Executivo estaria, sim, autorizado a modificar suas alíquotas, votando, assim, em sentido contrário aos contribuintes nestas ações.

Entretanto, tal entendimento, como visto, poderá causar um impacto positivo aos contribuintes no futuro julgamento do Tema 1.108, ainda sem previsão de data para julgamento no STF.


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