CVM propõe ajustes na norma que trata de insider trading

Audiência pública da minuta de reforma da Instrução 358/02 fica aberta até meados de outubro

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No último dia 31 de agosto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública uma minuta para ajustes na Instrução 358/02 no que se refere à negociação de ativos por pessoas com acesso a informações sigilosas — normas relacionadas ao combate de insider trading. De acordo com o regulador, a ideia é excluir da instrução trechos que sugerem a existência de vedações à negociação por insiders.

Além disso, a reforma proposta insere dispositivos que “indiquem que os negócios por eles [insiders] realizados podem estar sujeitos a presunções relacionadas à prática de uso indevido de informações privilegiadas”, conforme ressaltou a autarquia. A CVM recebe comentários e sugestões na audiência pública até o próximo dia 15 de outubro.

“A CVM também busca, com a reforma proposta, criar vedação objetiva de negociação, pelos insiders, nos dias anteriores à divulgação das demonstrações financeiras periódicas, independentemente da existência ou não de informação relevante que esteja pendente de divulgação”, destaca a advogada Gabriela Ponte Machado. “A reforma inclui, ainda, a possibilidade do contraditório e da ampla defesa pelo insider que incorreu no ilícito”, observa Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados.

“Em vez de manter a redação atrasada, e que levava à interpretação pela vedação a operações com valores mobiliários em determinadas condições, a minuta em audiência pública evidencia a possibilidade de esses atos serem implementados”, avalia Claudio Luiz de Miranda, sócio do Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados. “No lugar de proibir, a nova norma alerta, a fim de que os envolvidos reúnam condições para afastar a aludida presunção”, acrescenta.

A seguir, Machado, Magalhães e Miranda tratam de outros aspectos da reforma da Instrução 358/02 proposta pela CVM e da relevância das mudanças para o mercado de capitais brasileiro.


No final de agosto, a CVM colocou em audiência pública a minuta de uma reforma da Instrução 358/02, focando em ajustes dos pontos referentes a insider trading. Quais os principais tópicos da proposta da CVM?

Segundo noticiado pela própria CVM, o principal objetivo da proposta de alteração da Instrução 358/02 é a retirada de dispositivos que possam sugerir a existência de vedações à negociação por parte de insiders e substitui-los por normas indicativas de que suas negociações podem ser consideradas prática de uso indevido de informações privilegiadas.

Além disso, a CVM busca criar vedação objetiva de negociação, pelos insiders, nos dias anteriores à divulgação das demonstrações financeiras periódicas, independentemente da existência ou não de informação relevante que esteja pendente de divulgação; flexibilizar o regime dos planos de investimento e desinvestimento; e restringir a obrigatoriedade de manutenção de políticas de divulgação de informações apenas para os emissores de valores mobiliários registrados na categoria A.

A reforma proposta pela CVM sobre as disposições de insider trading, por meio da Audiência Pública SDM nº 06/20, apresenta como principais alterações a redução de restrições relacionadas aos insiders (acionistas controladores, diretores, membros de conselhos de administração e fiscal e de órgãos com funções técnicas ou consultivas); o aprimoramento das vedações ao uso indevido de informações privilegiadas, com um rol de situações presumidas para a prática de insider trading; a possibilidade do contraditório e da ampla defesa pelo insider que incorreu no ilícito; a flexibilização de prazos para planos de investimentos e desinvestimentos (o prazo mínimo, que antes era de seis meses, fica reduzido a apenas dois); a vedação autônoma à negociação de valores mobiliários por agentes, nos dias imediatamente anteriores à divulgação de informações trimestrais e anuais; o estabelecimento de sanções diferenciadas entre o uso intencional e o uso não intencional das informações privilegiadas; a obrigatoriedade da política de divulgações de informações, exceto para empresas que não encaixarem na categoria A, isto é, que não tenham ações negociáveis em bolsa de valores ou não tenham papéis em circulação.

Os principais tópicos da proposta da CVM submetida à Audiência Pública SDM nº 06/20 abrangem a atualização de dispositivos da Instrução 358/02 pertinentes à potencial ocorrência de operações com o uso indevido de informações privilegiadas (insider trading). Assim, são propostos ajustes nos artigos 13 e 14 da Instrução 358/02. Quanto ao art. 13, foi inserida listagem de atos que resultariam na presunção relativa da prática de insider trading (não proibidos por si mesmos). Por sua vez, sugere-se a inserção do art. 14-A, com vistas a instituir um período de vedação à negociação de ativos no momento anterior à divulgação de informações trimestrais e anuais, por parte de insiders — diferenciando esse período de vedação da prática de insider trading, considerada mais grave.

Além disso, são propostos outros ajustes na disciplina normativa em vigor, tornando mais simples as regras pertinentes aos planos de investimento e desinvestimento (art. 15-A proposto) e dispensando a política de divulgação de informações para companhias não listadas na categoria A, que não tenham ações admitidas à negociação em bolsa de valores ou que não tenham ações em circulação (reforma no art. 16).


Qual a importância, para o mercado de capitais, de alterações nas regras para negociação por insiders?

Inicialmente, é importante ressaltar que as alterações geram segurança jurídica, na medida em que consolidam diversos dos entendimentos já expressados pelo colegiado da CVM. O regulador organizou a norma de forma a listar uma série de presunções que adotará para verificar o uso (ou não) de informações privilegiadas. E destacou, ainda, que essas assunções são relativas e serão analisadas em conjunto com outros elementos que indiquem se o ilícito foi ou não praticado e podem, se for o caso, ser utilizadas de forma combinada.

A separação mais clara entre a análise dos casos subjetivos e as violações objetivas (negociação por insiders em período anterior à divulgação de demonstrações financeiras) oferece mais conforto e segurança ao mercado. A alteração do prazo dos planos de investimento e desinvestimento e detalhamento de suas condições, por sua vez, cria um mecanismo que pode facilitar a sua utilização, que sempre foi bastante incipiente. E, por fim, as companhias que não tiverem registro na categoria A estarão dispensadas de elaborar todo um plano de negociação de valores mobiliários, o que é o mais coerente à luz do objetivo da norma.

A reforma pretende tirar o foco das proibições e dar maior importância e clareza aos possíveis usos de informações privilegiadas. Dessa forma cria um mecanismo mais objetivo para evitar transações que podem afetar a credibilidade do mercado e dar mais eficiência aos casos que não apresentam indícios de insider trading.

Nessa linha, em postura louvável, a CVM busca atualizar a redação da Instrução 358/02, com vistas a aproximá-la da interpretação conferida em seus precedentes acerca dos temas em discussão — sobretudo substituindo menções que sugeririam vedações à negociação por presunções relativas (passíveis de prova em contrário) no sentido de que esses atos estariam relacionados à prática de insider trading.

Ao invés de manter a redação atrasada — e que levava à interpretação pela vedação a operações com valores mobiliários em determinadas condições —, a minuta em audiência pública evidencia a possibilidade de esses atos seres implementados. Com a ressalva de que, uma vez realizados, por suas condições, geram a presunção relativa da prática de insider trading. Ou seja, em vez de proibir, a nova norma alerta, a fim de que os envolvidos, caso decidam implementá-la, reúnam condições para afastar a aludida presunção.


 Na sua opinião, o momento é adequado para a revisão da Instrução 358? Por quê?

Sempre é adequado aprimorar as regras pertinentes ao mercado de capitais. Neste momento, há aumentos significativos na quantidade de companhias solicitando registro de emissor de valores mobiliários admitidos à negociação e de investidores pessoas físicas na bolsa de valores. Com isso, torna-se ainda mais relevante que os mecanismos de proteção ao investidor estejam claros e condizentes com as decisões consolidadas do colegiado da CVM.

Sim. Em um momento em que o uso de informações está recebendo maior atenção e proteção por causa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), haver maior clareza quanto aos ilícitos relacionados a insider trading é indício de aprimoramento de procedimentos.

A postura da CVM, além de acertada, se mostra adequada diante do momento atual, uma vez que o mercado de valores mobiliários tem sido uma alternativa importante para companhias e investidores durante a crise atual. É certo que a atualização e o esclarecimento sobre normas tão importantes quanto as previstas na Instrução 358/02 tendem a contribuir, ainda mais, para o bom desenvolvimento desse mercado.


 Quais as implicações de uma instrução atualizada para os participantes do mercado de capitais?

A atualização dos dispositivos da Instrução 358/02 beneficia todos os participantes. Primeiramente, estabelece um mecanismo mais claro, com o objetivo de afastar de forma efetiva transações que podem afetar a credibilidade do mercado. Em segundo lugar, a alteração confere celeridade e eficiência para os casos em que houver indício de mera violação objetiva pelo período de negociação. Na situação da violação apenas objetiva, a identificação e a imposição de sanção passam a ser proporcionais à violação e, portanto, mais adequadas, além de facilitarem o procedimento — que passa a ser mais ágil e eficaz.

O aprimoramento de seus procedimentos e políticas internas.

Como se sabe, o uso indevido de informações privilegiadas é considerado um dos mais graves (se não o mais grave) ilícito do mercado de capitais. Isso porque afronta, de maneira direta, a essência de busca da plena paridade de informações entre todos os agentes que atuam nesse mercado. Nesse contexto, a atualização proposta pela CVM, incluindo no texto normativo o entendimento consolidado nos precedentes de seu colegiado, é medida louvável. A reforma contribui para a maior eficiência do mercado brasileiro e permite uma disseminação mais ampla dessas orientações.

A leitura dos normativos em questão passa a ser suficiente para a percepção do entendimento mais atual sobre o tema, sem a necessidade de verificação dos precedentes da autarquia — o que exigiria atuação mais técnica e demorada por parte dos envolvidos. Portanto, a instrução atualizada tende a reduzir os custos de transação e a majorar a eficiência para os participantes do mercado de capitais. Assim contribui para a recomendada atuação preventiva e informativa (de orientação atualizada) da CVM, se comparada à mera repressão a potenciais irregularidades.

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