CVM multa irmãos Batista por uso indevido de patrimônio da JBS

Acusações envolveram uso de aeronave da companhia para fins particulares e falta de diligência

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Recentemente, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou os irmãos Wesley e Joesley Batista, da JBS, ao pagamento de multas totalizando 1,1 milhão de reais pelo uso indevido de patrimônio da companhia para fins particulares e por falha no cumprimento do dever de diligência. A primeira acusação recaiu sobre Joesley como administrador da empresa e a segunda foi direcionada a Wesley, na qualidade de presidente do conselho de administração. O caso também envolve a ausência de regulamentação, pela empresa, do uso de aeronaves.

Num episódio ruidoso constante do caso em análise pela CVM, em maio de 2017 Joesley usou uma aeronave pertencente à JBS para viajar aos Estados Unidos com a família depois da divulgação de conversas suspeitas que teve com o ex-presidente da República Michel Temer, no âmbito de um acordo de delação premiada. O uso da aeronave foi autorizado por Wesley. Um ponto central da questão é o fato de a prerrogativa de utilização desse tipo de patrimônio da empresa não ser parte de programa de remuneração de executivos, como Joesley.

A decisão da CVM oferece importante sinalização para o mercado de que o regulador está atento a abusos, avaliam a advogada Gabriela Ponte Machado e Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados. A seguir eles detalham suas percepções sobre o caso.


O colegiado da CVM condenou os irmãos Batista, da JBS, ao pagamento de multas que totalizam 1,1 milhão de reais, pelo uso indevido de patrimônio da empresa e por falta de diligência no exercício da função de administrador. Na sua avaliação, que sinal o colegiado transmite para as companhias reguladas com esse caso?

O sinal é extremamente positivo, no sentido de demonstrar que não serão tolerados abusos do dever de diligência dos administradores da companhia, em observância aos princípios éticos e às melhores práticas de governança corporativa. A fiscalização da CVM e a consequente imposição de sanção demonstram que é essencial proteger não apenas o valor da companhia sob o ponto de vista patrimonial, como também de diligência e integridade.

O colegiado transmite a mensagem de que há fiscalização efetiva da utilização dos recursos das companhias por parte do órgão competente, ou seja, a CVM. As sociedades anônimas abertas, por terem a prerrogativa de captação de poupança popular, precisam ser efetivamente fiscalizadas. Naturalmente, uma gestão profissional, devidamente acompanhada por programas internos de conformidade e integridade, culminará na desnecessidade de implementação efetiva da fiscalização e/ou punição pelos órgãos reguladores.


As companhias devem ter políticas específicas para o uso de seu patrimônio por administradores ou executivos? Essa permissão pode estar atrelada a alguma espécie de remuneração?

Especialmente por causa dos abusos cometidos nos últimos anos, é essencial que as companhias tenham mecanismos e controles de governança corporativa adequados para evitar excessos e fraudes por parte de seus administradores e colaboradores. A estruturação de um código de ética e conduta e políticas relacionadas de compliance e integridade são essenciais para regular atos e evitar desvios de conduta. Dessa forma, é possível melhorar os controles e delimitar os direitos e deveres dos administradores e colaboradores da companhia. Algumas companhias deixam claro, em seus procedimentos, os critérios específicos para que os administradores usem as aeronaves para atender aos fins sociais da companhia — e não particulares, como ocorreu no caso em discussão. Além disso, não seria um empecilho a utilização da aeronave da companhia, desde que essa utilização integrasse a remuneração indireta do administrador ou, mediante autorização da assembleia ou do conselho de administração, fosse pago aluguel pelos usuários à companhia em valor de mercado.

O presidente da CVM, Marcelo Barbosa, dispôs em seu voto que: “A Lei nº 6.404/1976 não veda a utilização de aeronaves ou outros bens sociais por executivos da companhia. Ao contrário, sua disciplina permite que se ajuste, de forma clara e razoável, as hipóteses de utilização, assim como as limitações e os requisitos a serem observados”.

O mais indicado é que as companhias tenham esses programas, de modo a evitar a aplicação dessas penalidades e, acima de tudo, respeitar a ideia de que os recursos da companhia — pertencentes aos acionistas — sejam utilizados em prol do desenvolvimento do objeto social, e não em benefício particular dos diretores. Nossa experiência diz que é cada vez menos comum que atitudes como a dos irmãos Batista ocorram em empresas com programa de conformidade implementado, justamente pelo próprio rigor interno existente.


Você concorda com a avaliação da CVM de que Wesley Batista, presidente do conselho de administração da JBS, falhou na atuação diligente como presidente do conselho de administração da companhia? Por quê?

Certamente faltou com seu dever de diligência. Primeiramente, não havia qualquer indício ou prova de que a aeronave foi utilizada para qualquer atividade social da companhia e tampouco havia controles internos necessários na companhia para monitorar, fiscalizar e punir esse tipo de abuso e nem houve autorização de qualquer órgão para sua utilização.

A respeito de não haver sustentação para suportar o argumento de que a aeronave foi utilizada para função social da companhia, o voto de Barbosa ressalta que: “A consulta aos autos não revela a finalidade empresarial da viagem nem demonstra que o acusado só poderia exercer suas funções em Nova Iorque. Tampouco é possível encontrar uma justificativa plausível para que a JBS (e, consequentemente, seus acionistas) arcasse com os custos decorrentes da viagem de Joesley Batista. (…) Aliás, a ausência de qualquer elemento formal de comprovação da alegada justificativa da viagem indica uma falha nos controles atuais da Companhia e não pode passar despercebida”.

A respeito da falha nos controles internos e, consequentemente, violação do dever de diligência de Wesley Batista, a defesa procurou argumentar que é impossível ao diretor presidente acompanhar todas as despesas da companhia. O voto também refuta essa argumentação ao afirmar que: “É, portanto, a partir do reconhecimento das dificuldades inerentes à fiscalização direta de todos os atos de gestão da companhia que sobressai a importância do conteúdo fiscalizatório do dever de diligência, neste particular entendido como verdadeiro dever de criação de estruturas adequadas para o monitoramento da companhia”. Em outras palavras, de fato, não se espera que o diretor presidente da companhia tenha absoluto controle de toda e qualquer despesa de uma companhia desse porte, mas é esperado que ele implemente controles adequados e suficientes para evitar abusos — como foi o caso da utilização da aeronave. A falta de mecanismos de controle, portanto, é a motivação da sua responsabilização no descumprimento do seu dever de diligência.

Naturalmente ocorreu falha na atuação, por conta da ausência de estipulação sobre a forma para utilização dos recursos e bens da companhia. Os bens devem ser utilizados em benefício da sociedade e seu desenvolvimento, e não para fins particulares dos administradores. A partir do momento em que membros de órgãos de controle e execução permitem que os recursos sejam desviados para finalidades distintas, devem ser responsabilizados.


Wesley e Joesley Batista podem recorrer ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Na sua opinião, eles têm chance de reverter a decisão do colegiado da CVM?

Acredito que não existe qualquer chance de reverter a decisão. Os fatos evidenciam que a aeronave foi utilizada para fins particulares, que não havia controles internos que tratassem da matéria para impedir esse tipo de abuso e que não houve autorização dos acionistas ou conselheiros para a utilização. Além disso, não existe qualquer amparo legal a favor dos acusados Joesley e Wesley, conforme já explicado acima e bem fundamentado no voto de Barbosa.

Enquanto passível de recurso, qualquer decisão poderá ser debatida e reavaliada. Contudo, vejo que o colegiado da CVM aplicou corretamente a Lei 6.404/76.

 

 

 

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