CVM flexibiliza exigências para BDRs

Resolução 3/20 altera instruções 332, 359, 480 e 555 e deve ampliar acesso dos investidores aos certificados

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No último dia 11 de agosto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a Resolução CVM 3/20, que estabelece novas regras para os brazilian depositary receipts (BDRs). A nova norma, que altera as instruções 332, 359, 480 e 555, trata desses certificados de depósito de valores mobiliários emitidos no Brasil mas que representam outro valor mobiliário no exterior. Em linhas gerais, quando compra um BDR o investidor fica com uma posição semelhante à que teria se investisse diretamente nos ativos estrangeiros que estão representados pelo certificado.

Conforme as regras da CVM, os BDRs são separados em três níveis. No Nível I as exigências em relação aos emissores são menos rígidas, o que limita o acesso dos investidores não qualificados (conforme define a regulação) a esses certificados. Em contraposição, no nível 3 há mais requerimentos de informações, o que deixa os BDRs classificados nessa categoria mais acessíveis a um número maior de investidores. Com a Resolução CVM 3/20, essa estrutura de níveis é mantida, mas com algumas flexibilizações, entre elas a permissão para que os certificados sejam lastreados em ações de emissores estrangeiros que tenham receita no Brasil. O lastro também pode agora ser representado por títulos de dívida, incluindo os emitidos por companhias abertas brasileiras.

As mudanças determinadas pela CVM, que entram em vigor no dia 1º de setembro de 2020, devem ter implicações importantes para o mercado de capitais brasileiro. A seguir, comentam esses prováveis efeitos Pedro Mourão, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados; a advogada Gabriela Ponte Machado; e Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados.


Recentemente, a CVM divulgou a Resolução CVM 3/20, tratando de regras para BDRs. Em que consiste essa resolução?

A Resolução CVM 3/20, editada no último dia 11 de agosto, promoveu alterações nas instruções CVM 332, 359, 480 e 555 no que se refere às regras para BDRs.

BDRs são valores mobiliários emitidos e negociados no Brasil que representam outro valor mobiliário negociado no exterior. A CVM ampliou o escopo de tipos de lastro dos BDRs, de companhias que podem emitir o lastro (que, em alguns casos, não precisam ser companhias estrangeiras ou que tenham ativos preponderantemente fora do Brasil) e até de tipo de investidor (que, em algumas situações, não fica mais restrito à classificação de investidor qualificado, mantida apenas para BDRs Nível I que não atendam a determinados requisitos previstos na regulação).

Dessa forma, ficou consolidado que os BDRs podem ser lastreados em ações negociadas no exterior emitidas por emissores estrangeiros; títulos representativos de dívida negociados no exterior e emitidos por emissores estrangeiros ou por companhias abertas brasileiras com registro na CVM; ou, ainda, cotas de fundos de índice (ETFs) negociados no exterior.

Inicialmente é importante esclarecer o que são os BDRs. De maneira bastante sintética, são certificados que representam ações emitidas por empresas em outros países e negociadas na bolsa brasileira, títulos nacionais lastreados em papéis de companhias estrangeiras. A Resolução CVM 3/20 tem como objetivo principal flexibilizar as exigências para as emissoras de BDRs. Passa-se a permitir que esses ativos sejam lastreados em ações emitidas pelas companhias estrangeiras com ativos e/ou receitas no Brasil e em títulos de dívida — nesse segundo caso, até mesmo se emitidos por companhias abertas brasileiras.

Essa possibilidade de se lastrear os BDRs em títulos de dívida — principalmente quando somada à permissão para que esses ativos sejam listados e disponibilizados para investidores considerados não qualificados — e a previsão de emissão desses valores lastreados em cotas de fundo de índices (ETFs) são as grandes inovações da Resolução CVM 3/20.


Qual o objetivo da autarquia com as mudanças determinadas para os BDRs?

Analisando a resolução e as informações divulgadas pela própria autarquia, a norma flexibiliza as exigências para captação de recursos por emissores e amplia as possibilidades para investidores acessarem ativos no exterior. Um exemplo: uma das principais mudanças é a permissão para que investidores em geral, incluindo aqueles que não são considerados qualificados, possam adquirir e negociar BDRs classificados como Nível I (nível em que o acesso aos investidores é mais restrito). Vale lembrar que, anteriormente, BDRs de Nível I só eram acessíveis a “investidores qualificados”.

Além disso, agora há permissão para que os BDRs sejam lastreados em ações emitidas por emissores estrangeiros com ativos ou receitas no Brasil; em títulos de dívida, inclusive emitidos por companhias abertas brasileiras; ou ainda cotas de fundo de índice admitidas à negociação no exterior. Antes da mudança, apenas ações emitidas por companhias abertas, ou assemelhadas, com sede e ativos preponderantemente localizados no exterior poderiam servir como lastro para os valores mobiliários negociados no Brasil.

Ademais, diante do fato de algumas empresas brasileiras recentemente terem optado pela abertura de capital fora do Brasil, e na medida em que a norma flexibiliza para essas empresas a captação de recursos na B3, um dos principais objetivos da CVM é manter parte da liquidez dos negócios dessas empresas no mercado local.

As mudanças introduzidas pela Resolução 3/20 da CVM têm o objetivo de fornecer mais alternativas aos investidores no Brasil, ampliando o acesso ao mercado de capitais e aumentando a quantidade de investidores e os volumes de transações. De acordo com Marcelo Barbosa, presidente da CVM, “a norma confere maior liberdade para investidores e emissores, na esteira de uma crescente demanda por diversificação de portfólios e de taxas de juros reduzidas”.

A CVM vem fazendo um longo trabalho de revisão de regras, inovação e transparência de informações para facilitar e democratizar o acesso ao mercado de capitais brasileiro. As alterações e novas regras editadas recentemente incluem o sandbox regulatório, as assembleias digitais e, agora, a ampliação das regras dos BDRs. Essas alterações vêm em bom momento, especialmente considerando o atual cenário de pandemia — pois facilitam a captação de recursos por meio do mercado de capitais — e as baixíssimas taxas de juros.

Verifica-se que os grandes objetivos da CVM com essa resolução são permitir maior diversificação de carteiras e portfólios dos investidores, principalmente diante do patamar da taxa de juros hoje no Brasil. Também possibilita às emissoras um novo setor para atuação.


As manifestações do mercado durante audiência pública sobre o tema foram incorporadas?

Sim. Diversas alterações foram feitas por conta da audiência pública, incluindo redução das obrigações relacionadas à tradução de informações produzidas por emissores ou fundos de índice estrangeiro; previsão de que a divulgação da composição do índice de referência de fundos de índice possa ocorrer até três meses após a data a que se refiram; extensão da possibilidade de emissão de BDRs lastreados em títulos de dívida a companhias abertas registradas na CVM; e eliminação da obrigatoriedade de divulgação da íntegra do contrato entre o fundo de índice e o provedor do índice.

Muitas sugestões de alterações feitas por diversos agentes do mercado foram implementadas pela CVM. A audiência pública ocorreu entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, e as principais alterações incluíram: redução das obrigações relacionadas à tradução de informações produzidas por emissores ou fundos de índice estrangeiros; divulgação da composição do índice de referência de fundos de índice possa ocorrer até três meses após a data a que se refiram; eliminação da obrigatoriedade de divulgação da íntegra do contrato entre o fundo de índice e o provedor do índice; registro automático de programas de BDR lastreados em cotas de fundos de índice; extensão da possibilidade de emissão de BDRs lastreados em títulos de dívida a companhias abertas registradas na CVM, permitindo que investidores locais participem de emissões frequentemente realizadas no exterior.

Sim, boa parte das ponderações apresentadas pelos entes do mercado nas audiências públicas de dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 foi acatada pela CVM, como a redução das obrigações relacionadas à tradução de informações produzidas por emissores ou fundos de índice estrangeiros e a previsão de registro automático de programas de BDRs lastreados em cotas de fundo de índices, entre outras modificações.


Quais as implicações das regras estabelecidas na resolução para o mercado de capitais?

Com as alterações promovidas, é de fácil percepção que as opções para os investidores serão majoradas — ou seja, mesmo os investidores com menor potencial e uma carteira mais modesta de investimentos terão acesso a grandes companhias estrangeiras e até mesmo ao mercado de dívida corporativa. Além disso, considerando a flexibilização e a redução de obrigações para as emissoras, a norma permitirá o ingresso e a captação de recursos por empresas brasileiras listadas em bolsas estrangeiras.

A expectativa é de um retorno bastante positivo do mercado em geral. Como as regras pertinentes aos BDRs foram estendidas, espera-se o ingresso de mais investidores e recursos no mercado de capitais. Por exemplo, com as alterações, qualquer investidor (não apenas institucional) poderá negociar BDRs Nível I não patrocinados quando os valores mobiliários objeto dos BDRs tiverem como mercado de negociação de maior volume, verificado nos 12 meses anteriores, um ambiente de mercado estrangeiro classificado como “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado de valores mobiliários aprovado pela CVM e quando o emissor dos valores mobiliários que servem de lastro aos BDRs estiver sujeito à supervisão por parte da entidade reguladora do mercado de capitais do mercado de maior volume de negociação.

Com relação à expansão de companhias emissoras, com a inclusão de BDRs de títulos de dívidas tanto companhias brasileiras quanto estrangeiras poderão ser emissoras de BDRs. Até o advento das alterações aqui discutidas, apenas ações emitidas por companhias abertas, ou assemelhadas, com sede e ativos preponderantemente localizados no exterior poderiam servir como lastro para os valores mobiliários negociados no Brasil e não existia a possibilidade de que o lastro dos BDRs fossem valores mobiliários representativos de dívida.

Além disso, abriu-se a possibilidade de criação de BDRs com lastro em cotas de fundos de índice (ETFs) negociados no exterior.

Em outras palavras, são notícias que devem fomentar — e muito — o mercado de capitais, que estava ansioso por mais mudanças e flexibilizações nesse sentido.

Essa análise é mais financeira que jurídica. Porém, sinteticamente, haverá um aumento na procura dos BDRs e dos ETFs (fundos de índices das bolsas) internacionais, na busca de uma rentabilidade maior pelos investidores; ainda com essa procura maior por papeis estrangeiros pelos investidores haverá uma compra maior dos papéis das emissoras, bem como o investimento dessas empresas no Brasil.

 

 

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