CVM estuda criar informe sobre litígios

Nova obrigação seria estabelecida no âmbito de uma reforma da Instrução 480/09

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recentemente manifestou interesse na criação de mais uma obrigação relacionada à prestação de informações pelas companhias abertas. A ideia é que as empresas passem a apresentar um informe sobre litígios, as disputas em que estão envolvidas.

A movimentação vem na esteira de episódios de grande repercussão para as relações entre companhias abertas e seus investidores, como os casos da contenda entre Stone e Totvs pela compra da Linx e da briga que contrapõe acionistas minoritários da Smiles insatisfeitos com contratos da empresa com sua controladora Gol — só para ficar nos mais recentes.

Embora o regulador não tenha formalizado os trâmites relacionados à implementação de um novo informe, é provável que a instituição do relatório ocorra no âmbito de uma reforma da Instrução 480/09, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados.

“A CVM tenta assegurar que as empresas listadas prestem informações aos investidores, à sociedade e às outras empresas envolvidas, dispondo, inclusive, sobre os resultados obtidos de tempos em tempos”, explica Luis Nankran, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, tratando das funções mais elementares da autarquia. “O que a CVM busca é que as companhias prestem informações atualizadas e transparentes para seus investidores, para outras empresas listadas e para o próprio mercado”, acrescenta.

Na avaliação de Nankran, a ideia é bastante positiva para os investidores. “Afinal, a definição de onde, quanto e como investir evidentemente passa pelo conhecimento e pela avaliação de litígios nos quais a companhia está envolvida”, afirma.

A seguir, Nankran e Bernardo Freitas, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, detalham pontos do regime informacional das companhias abertas e analisam as implicações da intenção da CVM.


A CVM está estudando a possibilidade de exigir um novo informe das companhias abertas, relacionado a litígios em que estão envolvidas. De maneira geral, quais os principais informes que hoje as empresas listadas têm que apresentar ao regulador?

A CVM tem como função disciplinar, regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários no Brasil, a fim de garantir seu desenvolvimento, protegendo investidores e outros agentes relacionados a esse mercado. Dentre as formas de proteção, a CVM tenta assegurar que as empresas listadas prestem informações aos investidores, à sociedade e às outras empresas envolvidas, dispondo, inclusive, sobre os resultados obtidos de tempos em tempos.

Em suma, a CVM tem a função de garantir que o mercado funcione de maneira transparente e que todos tenham ciência da situação das empresas e dos riscos envolvidos. Tudo isso objetivando regular o mercado e atrair investidores.

Assim, a CVM obriga as empresas que negociam valores mobiliários a prestar informações ao mercado, com base no que está previsto em instruções normativas específicas, que fixam prazos para as empresas.

A Instrução 202/93 prevê a obrigatoriedade de informações periódicas a serem prestadas pela companhia à CVM (art. 13). Na forma dos arts. 16 e 17, trata de demonstrações financeiras (demonstrações trimestrais), preenchimento do formulário DFP (demonstrações financeiras padronizadas), a fim de esclarecer o resultado financeiro da companhia, e ITR (formulário de informações trimestrais), obrigatório para empresas cujo faturamento consolidado seja inferior a 100 milhões de reais.

Além disso, o art. 8º da Instrução 202/93 dispõe que as companhias devem informar sobre as projeções de crescimento, acompanhadas do citado formulário ITR.

Outra obrigatoriedade está prevista na Instrução 414/04, que trata da necessidade de a companhia relatar no ITR e na DFP as aquisições, as retrocessões, os pagamentos e a inadimplência de crédito para emitir CRI (certificado de recebíveis imobiliários).

Em suma, o que a CVM busca é que as companhias prestem informações atualizadas e transparentes para seus investidores, para outras empresas listadas e para o próprio mercado.

De acordo com o advogado Luis Nankra, autor do Legislação & Mercados, a atual forma de divulgação das informações não é suficiente para que os investidores tenham ciência das ações judiciais e dos procedimentos arbitrais envolvendo as companhias abertas

Os emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados devem apresentar à CVM de forma periódica os informes listados no art. 21 da Instrução CVM 480, sendo que os principais deles são: formulário cadastral; formulário de referência; demonstrações financeiras; e edital de convocação, proposta da administração sobre os temas a serem deliberados, sumário das decisões tomadas e ata da assembleia geral ordinária.

O formulário cadastral, como o próprio nome diz, contém os principais dados cadastrais do emissor. O formulário de referência, por sua vez, contém as informações relevantes sobre os seus negócios, com o intuito de fornecer aos investidores um panorama geral do emissor, essencial para garantir uma maior transparência do mercado.

Um dos tópicos do formulário de referência diz respeito aos fatores de risco que possam influenciar a decisão de investimento. Nele, o emissor deve informar os processos judiciais, administrativos ou arbitrais em que ele ou suas controladas sejam parte, que não estejam sob sigilo e que sejam relevantes para os negócios.

As companhias registradas na categoria “A” devem informar também os processos judiciais, administrativos ou arbitrais, que não estejam sob sigilo, em que ela ou suas controladas sejam parte e cujas partes contrárias sejam administradores ou ex-administradores, controladores ou ex-controladores ou investidores do emissor ou de suas controladas. Entretanto, tais informações são facultativas em relação às companhias registradas na categoria “B”.

Em relação aos processos sigilosos relevantes em que a companhia ou suas controladas sejam parte, o emissor deve analisar o impacto em caso de perda, além de informar os valores envolvidos nos referidos processos.

Além disso, conforme previsto na Instrução CVM 358, as companhias abertas devem divulgar qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; e na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.


Você considera relevante essa ideia da CVM? Em que medida um novo informe ajudaria o mercado de capitais?

A CVM estuda proposta para que as companhias abertas sejam obrigadas — medida mandatória, portanto — a divulgar informações sobre litígios relevantes em que estejam envolvidas. Essa proposta faria parte da reforma da Instrução 480/09.

A motivação da iniciativa, segundo o coordenador dos trabalhos, diretor Gustavo Gonzalez, é o fato de que a atual forma de divulgação das informações não seria suficiente para que os investidores tenham ciência das ações judiciais e dos procedimentos arbitrais envolvendo as companhias abertas.

A medida é um importante avanço para o mercado de capitais, principalmente considerando o lado dos investidores. Afinal, a definição de onde, quanto e como investir evidentemente passa pelo conhecimento e pela avaliação de litígios nos quais a companhia está envolvida. Importante destacar que não se trata somente daquelas disputas envolvendo altos valores: valem também os litígios que envolvem brigas societárias ou outros assuntos cuja natureza acarretará efeitos importantes para a sociedade, para os investidores e/ou para o mercado de atuação da companhia envolvida.

Diante da decisão sobre um investimento, cujo risco é inerente ao mercado, é necessário que o investidor tenha todas as informações possíveis, de forma que possa escolher a melhor opção e verificar as variáveis envolvidas no negócio.

Sem dúvidas a iniciativa da CVM é muito relevante para o aumento da transparência do mercado de capitais, o que é essencial para reduzir a assimetria de informações entre os agentes do mercado e contribuir para a manutenção da segurança e o bom funcionamento do mercado. 

O investidor deve ter acesso ao maior número de informações para que possa avaliar os riscos do seu investimento. Além disso, as informações a respeito dos litígios nos quais as companhias estão envolvidas são essenciais para a avaliação de seus fatores de risco, pois evidenciam a forma pela qual conduzem os seus negócios.

Outro fator positivo da iniciativa da CVM é que a adoção de um maior grau de transparência relacionado ao assunto pode servir de incentivo para que as companhias cumpram com seus compromissos e obrigações, com o objetivo de evitar a instauração de um litígio.


O estabelecimento de uma nova exigência de prestação de informações seria excessivo ou adequado no atual ponto de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro? Por quê?

O mercado de capitais, por sua natureza, movimenta vultosos valores, abarca grandes players e, evidentemente, envolve grandes riscos. Tanto é que a CVM tem as funções de fiscalizar e regular o mercado, criar obrigações para as companhias ali cadastradas e garantir que os investidores tenham as informações necessárias para realização do investimento.

Em se tratando de informações necessárias para que os investidores façam sua opção, portanto, não há que se falar em excesso de informações. Nesse passo, abordando especificamente informações de litígios relevantes — não só de cunho financeiro —, a proposta da CVM é adequada. Isso porque é necessário que o investidor tenha informações sobre demandas que possam alterar o resultado de seu investimento e mudar a direção que a empresa vem tomando. Enfim, são informações necessárias e cuja natureza pode modificar os resultados do investimento.

A divulgação de informações periódicas e relevantes pelas companhias abertas é essencial para garantir o bom funcionamento do mercado de capitais brasileiro. Atualmente, os emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados estão sujeitos à prestação de uma série de informações à CVM, inclusive a respeito dos litígios nos quais estejam envolvidos. 

De fato, a nova política estudada pela CVM criaria uma obrigação adicional às companhias abertas, mas os benefícios auferidos pelos agentes do mercado com relação ao aumento de transparência de informações justificam a criação da nova obrigação pela CVM. Portanto, ela seria adequada para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.


Se de fato a CVM criar esse informe sobre litígios, haveria alguma implicação para os procedimentos arbitrais que têm em pelo menos uma das partes uma companhia sob a alçada da autarquia, considerando que eles envolvem sigilo de informações?

A proposta de informações envolvendo litígios relevantes, evidentemente, esbarra no dever de sigilo dos procedimentos arbitrais e esse é um importante tema de discussão.

A Instrução 480 já prevê a necessidade de as companhias abertas informarem sobre os principais fatos referentes a processos em que estiverem envolvidas e, no que diz respeito a processos sigilosos, prevê que a informação seja prestada nos casos em que há perdas. Em outro ponto, a Instrução 358 prevê a necessidade de divulgação de informações que possam afetar a cotação dos valores mobiliários.

Assim, esse aspecto vem sendo estudado pelos coordenadores da proposta, pois, de fato, são pontos conflitantes. Muito se fala sobre a possibilidade de os acionistas/investidores ajuizarem demandas em face da empresa, objetivando o recebimento de indenizações. Todavia, ao que parece, esse não é o modelo mais eficaz, considerando que há a possibilidade de se pensar algo mais eficiente e que gere mais segurança ao investidor.

Sem dúvidas um dos principais benefícios que influenciam os litigantes a submeterem um litígio à arbitragem, em detrimento do poder judiciário, é o sigilo. A eventual criação de uma obrigação de divulgação de informações envolvendo os procedimentos arbitrais pelas companhias certamente esbarraria na questão do sigilo dos referidos procedimentos. 

De acordo com o regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), os procedimentos arbitrais instaurados e conduzidos pela câmara são sigilosos e as partes, árbitros e membros devem abster-se de divulgar informações sobre seu conteúdo. Entretanto, o próprio regulamento diz que o sigilo do procedimento arbitral pode ser relativizado em caso de cumprimento de normas dos órgãos reguladores ou de previsão legal. Nesse sentido, a criação de uma obrigação relacionada à divulgação de informações sobre os procedimentos arbitrais, pela CVM, estaria dentro das exceções à regra do sigilo previstas no regulamento da CAM, por se tratar de uma norma criada por um órgão regulador do mercado.

Cabe ressaltar ainda que a CVM não pretende criar a obrigação de divulgação de todo o procedimento arbitral ao mercado, mas apenas das informações mais relevantes que possam influenciar na avaliação das companhias pelos agentes do mercado.

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