CVM debate definição de investidor qualificado

Regulador avalia pertinência de reduzir o limite mínimo de investimentos para essa designação

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está avaliando internamente a pertinência e a viabilidade da alteração das classificações adotadas para os investidores brasileiros. A ideia seria ampliar o acesso à categoria de investidores qualificados, para os quais há mais opções de ativos e produtos de investimento. A proposta em análise parte de um estudo da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos do regulador, segundo o qual poderia ser reduzido o limite mínimo de investimentos financeiros para a designação de investidor qualificado, de 1 milhão de reais para 627 mil reais.

De acordo com a avaliação preliminar da CVM, uma régua mais baixa não representaria, no atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, risco prático adicional relevante para os investidores. Vale lembrar que, diferentemente de alguns anos atrás, hoje o mercado oferece muito mais opções de ativos que, combinados, podem ser atrativos também para investidores de menor porte.

“A classificação dos investidores funciona como fator limitador do acesso aos mercados financeiro e de capitais no País, uma vez que impede que investidores comuns, também chamados de investidores de varejo, possam acessar e investir em produtos considerados de maior risco/sofisticação”, destacam Felipe Hanszmann e Ana Luisa Fucci, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados. O problema é que, de certa forma, essa trava “elitiza” o acesso, ponderam os advogados.

Eles observam que a relevância da discussão está no contexto da democratização do mercado de capitais, aspecto importante diante da recente queda estrutural de juros no País. “O desafio é encontrar as ferramentas que permitam maior democratização sem incremento do risco, de preferência em linha com as melhores práticas internacionais”, completam.

A seguir, Hanszmann e Fucci abordam outros pontos relacionados à classificação dos investidores no mercado brasileiro.


A CVM está debatendo internamente quais seriam os melhores parâmetros para a definição de investidor qualificado. O que diz a norma atual do regulador a esse respeito?

Felipe Hanszmann e Ana Luisa Fucci: De acordo com a Resolução nº 30 da CVM, norma que rege o assunto atualmente, podem ser considerados investidores qualificados: (i) os investidores profissionais; (ii) as pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a 1 milhão de reais e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (iii) as pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira de valores mobiliários, analistas de valores mobiliários e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; e (iv) os clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados.

Em razão do item (i) anteriormente mencionado, é importante esclarecer que são considerados investidores profissionais as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; as companhias seguradoras e sociedades de capitalização; as entidades abertas e fechadas de previdência complementar; as pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a 10 milhões de reais e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio; os fundos de investimento; os clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por administrador de carteira de valores mobiliários autorizado pela CVM; os agentes autônomos de investimento, administradores de carteira de valores mobiliários, analistas de valores mobiliários e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e os investidores não residentes.


Na prática, como a classificação dos investidores influencia a dinâmica dos mercados financeiro e de capitais no País?

Felipe Hanszmann e Ana Luisa Fucci:  Em termos práticos, a classificação dos investidores funciona como fator limitador do acesso aos mercados financeiro e de capitais no País, uma vez que impede que investidores comuns, também chamados de investidores de varejo, possam acessar e investir em produtos considerados de maior risco/sofisticação. A visão do regulador é proteger aqueles que não tenham condições entender e avaliar bem o risco de produtos mais sofisticados/arriscados. Contudo, essa limitação tende a direcionar os investimentos qualificados apenas para os investidores que se enquadrem nas definições de qualificado e profissional, o que acaba restringindo demasiadamente as oportunidades com maior possibilidade de retorno somente a investidores com maior poupança, de certa forma “elitizando” o acesso.


Na sua opinião, qual a relevância, nas atuais circunstâncias do mercado brasileiro, de uma discussão nessa direção?

Felipe Hanszmann e Ana Luisa Fucci: A relevância da discussão está na democratização do mercado de capitais e na ampliação de acesso, que são ainda mais importantes no contexto recente de queda de juros, que favorece a busca por outras oportunidades de investimento que não poupança e títulos públicos. Evidentemente, também devem pautar a análise e as consequências que essa democratização pode gerar.


Em termos de proteção dos investidores, haveria algum risco com eventual afrouxamento dos requisitos para a classificação como “qualificados”?

Felipe Hanszmann e Ana Luisa Fucci: Na nossa visão, a implementação da proposta da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM de reduzir o limite mínimo de investimentos financeiros de 1 milhão de reais para 627 mil reais não representaria risco prático adicional relevante. Isso porque, de um lado, a verdade é que muitos investidores já se declaram qualificados mesmo sem atingir esse volume de investimentos financeiros.

Além disso, é bastante discutido se o referido critério não estaria ultrapassado, uma vez que foi criado sob uma premissa que não se sustenta mais: a de que o conhecimento do investidor para tomar as melhores decisões a respeito da alocação de seu patrimônio estaria, necessariamente, atrelado ao tamanho dele.

O acesso a informação mudou muito. Se antigamente existiam produtos sobre os quais não se tinha informação e nem se sabia onde buscá-la, hoje não só todas as informações sobre qualquer tipo de investimento estão a um clique de distância, como existem inúmeros cursos e empresas de assessoria disponíveis no mercado para auxiliar o investidor com a gestão de seus recursos e investimentos.

Em qualquer caso, o papel da CVM de proteger os investidores continua de extrema importância. O desafio é encontrar as ferramentas que permitam maior democratização do mercado de capitais brasileiro sem incremento do risco, de preferência em linha com as melhores práticas internacionais.

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