CVM abre audiência pública para revisão de normas de fundos
Autarquia propõe, entre outros pontos, permissão para FIDCs no varejo e inserção de diretrizes ESG
No início de dezembro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu uma audiência pública para modernização das regras voltadas a fundos de investimento. A reforma é relativamente ampla, incluindo a regulamentação que dispõe sobre constituição, funcionamento, divulgação de informações pelos fundos de investimento, além de normas relacionadas a prestadores de serviços.
A motivação da CVM vem da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), e as sugestões e comentários do mercado podem ser enviados à autarquia até o dia 2 de abril de 2021. A reforma ora proposta abrange pontos da Instrução 555, que trata dos fundos de investimento de maneira geral, e da Instrução 356, relativa especificamente aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).
De acordo com a CVM, o processo pretende refletir avanços do mercado e reduzir custos de observância da regulamentação, sem deixar de lado o mandato da autarquia para proteção dos investidores. “Nosso objetivo foi apresentar uma proposta que represente uma efetiva modernização do marco regulatório dos fundos de investimento, abrangendo muitas matérias, de modo sistematizado e aderente ao espírito da Lei de Liberdade Econômica”, afirmou Marcelo Barbosa, presidente da CVM.
Conforme informações do regulador, a Lei da Liberdade Econômica permite que as normas infralegais para fundos de investimento, entre outros aspectos, limitem a responsabilidade de cada cotista ao valor de suas cotas e prevejam que a responsabilidade dos prestadores de serviços podem ser circunscritas aos seus próprios atos ou omissões.
Ademais, a minuta sugere a ampliação das possibilidades de investimento no exterior, o estabelecimento de limites de exposição a riscos de capital para fundos de ações, cambiais, multimercado e de renda fixa e a permissão para investidores de varejo aportarem recursos em FIDCs (hoje essa classe é restrita, para investimentos diretos, a investidores profissionais e qualificados). Segundo a autarquia, essas modificações atenderiam a novas características do mercado brasileiro.
A reforma deve ser baseada, ainda, em aspectos ESG (ambientais, sociais e de governança), que têm sido tema preponderante nos mercados de capitais globais em 2020. A ideia da autarquia é aprimorar a governança por meio de comunicações eletrônicas e assembleias virtuais. Também faz parte da minuta a possibilidade de rotulagem de FIDCs como socioambientais, de forma a incentivar a competitividade de fundos brasileiros desse tipo na atração de capitais interessados na economia sustentável e de baixa emissão de carbono.
Na comunicação da audiência pública, a CVM informou que as categorias de fundos não abarcadas pela minuta — como fundos imobiliários (FIIs) e fundos de investimento em participações (FIPs) — serão inseridas durante o trabalho da autarquia para revisão de outras normas que não as instruções 555 e 356.
A seguir, Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados, detalha os aspectos principais da minuta.
A CVM lançou na semana passada uma audiência pública para modernização das regras relativas a fundos de investimento. Quais são as principais propostas da autarquia?
Com as inovações introduzidas pela Lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica), em consonância com o Decreto nº 10.139, de 2019, que determinou a revisão e a consolidação dos atos normativos editados por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entendeu oportuno consolidar as normas dos fundos em linha com ambas as regulamentações. Nesse sentido, para modernizar a regulamentação dos fundos de investimentos brasileiros, a autarquia lançou uma audiência pública composta por três partes:
— uma estrutura principal, contendo os dispositivos aplicáveis a todas as categorias de fundos (Resolução);
— um anexo tratando dos fundos de investimento em ações, cambiais, multimercado e renda fixa (Anexo Normativo I);
— um anexo disciplinando especificidades dos fundos de investimento em direitos creditórios (Anexo Normativo II).
A autarquia também adotou nova nomenclatura para fundos investimento em ações, cambiais, multimercado e em renda fixa: eles passam a ser denominados fundos de investimento financeiros (FIFs).
Destacam-se na proposta a limitação da responsabilidade de cada cotista ao valor de suas cotas; a previsão de que a responsabilidade dos prestadores de serviços possa ser circunscrita aos seus próprios atos ou omissões; a possibilidade de os fundos de investimento contarem com classes de cotas com direitos e obrigações distintos e com patrimônios segregados para cada classe; e aplicação do instituto da insolvência civil aos fundos de investimento.
Especificamente em termos de prestação de informações ao mercado, o que muda com a proposta da CVM?
A CVM busca aumentar a eficiência das informações consideradas mais úteis aos investidores de FIFs, com menor custo e de maneira mais transparente. A intenção é possibilitar uma tomada de decisão mais clara por parte do investidor.
As sugestões da minuta para acesso de investidores de varejo a produtos antes restritos a investidores de maior porte, na sua opinião, são benéficas para o mercado?
Definitivamente essa abertura vai representar diversificação de investidores, o que não deixa de ser um risco para eles próprios — afinal, produtos até então restritos terão um alcance maior. Mas com as alterações propostas na minuta certamente a CVM busca proteger todos os investidores, o que acarretará maior responsabilidade para administradores e gestores de fundos. Será uma mudança benéfica, pois tornará o mercado mais acessível a investidores, mas deve ser avaliada com cuidado pelos profissionais do mercado de capitais.
A reforma ora prevista pela CVM realmente pode modernizar os fundos e reduzir custos de observância da regulação?
De fato vai modernizar os fundos, à luz da Lei da Liberdade Econômica. Já quanto à redução de custos, talvez não ocorra de forma tão expressiva para os investidores.
[…] minuta de instrução esteve em audiência pública de dezembro de 2020 a abril de 2021, e deve trazer inovações importantes, como a limitação da responsabilidade de cada cotista ao valor de suas cotas e a criação de […]