CRA cambial chega ao investidor brasileiro
Novidade pode impulsionar o mercado de certificados de recebíveis do agronegócio
Os investidores qualificados residentes no Brasil ganharam uma nova possibilidade: agora, podem comprar certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) corrigidos pela variação cambial — o chamado CRA cambial. Essa alternativa começou a valer no dia 1º de novembro, e foi aberta por meio da Resolução nº 4.947/21 do Conselho Monetário Nacional. Também podem adquirir esses títulos investidores profissionais. Até então, essa modalidade estava disponível apenas para investidores não residentes no País.
São classificados como investidores qualificados aqueles que possuem mais de 1 milhão de reais em aplicações financeiras; e como profissionais os que detêm mais de 10 milhões de reais. Atualmente, essas classificações estão em discussão na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que estuda reduzir para 600 mil reais o valor necessário para que o investidor seja considerado qualificado.
“Agora que os CRAs cambiais podem ser acessados por investidores brasileiros é de se esperar um crescimento ainda mais significativo para o papel e, indiretamente, para o mercado de CRAs em geral”, afirmam os advogados Celso Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados, e os associados Vinicius Mattos e Michel Siqueira Batista.
Eles consideram que os CRAs cambiais são particularmente interessantes para as empresas da cadeia do agronegócio cujas receitas são atreladas a moedas estrangeiras. Nessas situações, esses títulos funcionam como uma proteção (hedge) natural ao equiparar os custos de financiamento à receita. Já para os investidores, esses títulos são atrativos pela diversificação e correção cambial que oferecem.
Na entrevista abaixo, Contin, Mattos e Batista detalham outras características importantes do CRA cambial.
Como se dará a remuneração dos CRAs emitidos com correção cambial?
Celso Contin, Vinicius Mattos e Michel Siqueira Batista: O certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) é um título de renda fixa emitido por uma companhia securitizadora, com lastro em recebíveis relacionados ao agronegócio e remunerado por uma taxa de juros. A Lei 13.331, de 1º de setembro de 2016, havia instituído a possibilidade de emissão de CRAs com correção pela variação cambial somente para investidores não residentes, e vinculou a oferta para investidores residentes a condições que seriam ainda estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Em 30 de setembro de 2021, o CMN, através da Resolução CMN nº 4.947, autorizou a emissão para investidores residentes, com a restrição de que somente investidores qualificados (que possuem aplicações financeiras em valor igual ou superior a 1 milhão de reais) e profissionais (com aplicações financeiras em valor igual ou superior a 10 milhões de reais) poderão adquirir CRAs corrigidos pela variação cambial. Os investidores qualificados só podem adquirir CRAs cambiais de classes sêniores e subordinadas mezanino.
Para efeitos de remuneração, é importante realizar a separação entre a atualização monetária contratual e a remuneração feita pelos juros. Por “correção pela variação cambial” entende-se que a atualização monetária do contrato será feita com base na variação cambial de uma moeda estrangeira, em vez de um índice de preços, como é feito usualmente. Os juros, que são uma segunda obrigação, ainda existem e terão a taxa que for estipulada pelas partes.
Na prática, ficou permitida aos investidores residentes no Brasil a compra de CRAs cambiais que serão atualizados monetariamente pela variação da taxa cambial de qualquer moeda, para mais ou para menos, acrescidos dos juros remuneratórios. Em vez de se utilizar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) ou a taxa DI para a atualização monetária, os CRAs poderão utilizar a variação do dólar, do euro ou de qualquer outra moeda, funcionando como instrumento de hedge ao fixar o valor a ser pago em real pelo emissor da dívida à cotação da moeda estrangeira selecionada. Sobre a variação cambial, acrescenta-se a taxa de juros, sendo esse o rendimento global do papel.
Quais impostos incidem sobre o CRA cambial?
Celso Contin, Vinicius Mattos e Michel Siqueira Batista: Os CRAs cambiais estão sujeitos ao mesmo tratamento tributário aplicado aos CRAs em geral. Nesse sentido, vale destacar que a Receita Federal, ao analisar a natureza da parcela decorrente de cláusula de correção pela variação cambial em CRA emitido em favor de investidor não residente, já confirmou que ela tem natureza de remuneração (Ato Declaratório Interpretativo RFB 12, de 23 de novembro de 2016). Com relação ao imposto sobre operações financeiras (IOF), os CRAs estão atualmente sujeitos à alíquota de 0%.
Em matéria de imposto de renda (IR), o tratamento dependerá da natureza jurídica do investidor. Caso ele seja uma pessoa física, tanto os rendimentos quanto os ganhos em eventual transferência no mercado secundário estão isentos. O mesmo tratamento se aplica aos não residentes.
Com relação às pessoas jurídicas em geral (não financeiras), os rendimentos estão sujeitos ao IR na fonte às alíquotas de 15% a 22,5% (de acordo com o tempo da aplicação) a título de antecipação, devendo ser adicionados na apuração do lucro real ou lucro presumido.
Adicionalmente, os rendimentos dos CRAs são considerados como receitas financeiras, as quais estão sujeitas às contribuições ao programa de integração social (Pis) e à contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins), à alíquota combinada de 4,65%. Por fim, as sociedades optantes pelo Simples Nacional estão sujeitas apenas ao IR na fonte de 15% a 22,5%, a título definitivo.
Para quais tipos de empresas e investidores o CRA cambial pode ser interessante?
Celso Contin, Vinicius Mattos e Michel Siqueira Batista: Os CRAs cambiais podem se tornar uma importante fonte de captação de recursos para todos os participantes do agronegócio. Em teoria, todos os que participam da cadeia agroindustrial podem se utilizar dos CRAs para a captação de recursos no mercado de capitais, especialmente produtores rurais e tradings.
A emissão do CRA cambial é especialmente interessante para participantes da cadeia do agronegócio que tenham suas receitas atreladas a moedas estrangeiras, seja porque realizam exportação direta ou porque produzem produtos que tenham o preço de venda atrelado a cotações internacionais. Nesse cenário, os CRAs podem representar um instrumento de hedge natural, equiparando os custos de financiamento à receita, e de barateamento do custo de captação, uma vez que obrigação está atrelada à uma “moeda forte”.
Na ponta dos investidores, os CRAs cambiais interessam sobremaneira a investidores não residentes que desejam financiar ativos atrelados à cadeia do agronegócio, mas não estão dispostos a correr o risco da variação cambial do real. Também podem interessar àqueles que queiram atrelar seus investimentos a moedas estrangeiras e almejam diversificar a sua carteira de investimentos.
Qual a expectativa em relação à demanda e oferta de CRAs cambiais?
Celso Contin, Vinicius Mattos e Michel Siqueira Batista: O setor do agronegócio está bastante aquecido, com ótimas perspectivas, e isso se reflete nas necessidades de captação de recursos para investimentos por parte de produtores, e no apetite dos investidores. Adicionalmente, percebe-se uma queda do diferencial de juros das linhas públicas de crédito ao agronegócio frente às linhas de mercado, o que favorece a captação por instrumentos de mercado, como os CRAs, incluindo o cambial.
Dados da consultoria Uqbar demonstram que no ano passado foram emitidos 15,7 bilhões de reais em CRAs, uma alta de 28% na comparação com as operações de 2019.
Ainda em 2020, com a permissão de emissão de CRAs cambiais para investidores não residentes, foi registrada a maior captação individual até então, no montante de 2,2 bilhões de reais. Ofertas como essa demonstram o grande interesse pelo papel. Também é sabido, no mercado, que a emissão dos CRAs está concentrada nos grandes players do agronegócio e que existe amplo espaço para crescimento desse título junto às médias empresas do setor.
Agora que os CRAs cambiais poderão ser acessados por investidores brasileiros é de se esperar um crescimento ainda mais significativo para o papel e, indiretamente, para o mercado de CRAs em geral.
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