Cooperação para acordos de leniência ainda está longe de sair do papel

Eventual coordenação de ações de diversas autoridades facilitaria participação das empresas

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Os sucessivos escândalos desencadeados pela Operação Lava Jato a partir de 2014 colocaram em evidência o instituto dos acordos de leniência no Brasil. De maneira geral, trata-se de acordos feitos por empresas envolvidas em irregularidades nos quais elas se comprometem a contribuir com as autoridades nas investigações de outros ilícitos. A ideia da leniência é angariar a participação voluntária das organizações implicadas, de forma a romperem com as práticas ilícitas. Elas devem, ainda, adotar políticas éticas e sustentáveis em sua operação. Em troca, as empresas têm algumas vantagens, como a possibilidade de abrandamento de sanções nos casos em que as autoridades considerarem que a colaboração foi efetiva.

Esses acordos podem ser costurados pelas empresas com várias autoridades, mas nem sempre há uma transversal nessas negociações — ou seja, nada garante que uma empresa que firmou um acordo com uma autoridade fique imune às ações ou aos requerimentos de outra. Apesar de alguns esforços recentes, ainda não saiu do papel a ideia de uma cooperação de órgãos relacionada a acordos de leniência, que seria capaz de tornar o instituto mais eficiente. Assim, Ministério Público Federal (MPF), Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU) continuam atuando separadamente, sem cooperar como poderiam.

Como observa Davi Tangerino, sócio do Davi Tangerino & Salo de Carvalho Advogados, existem algumas dificuldades para a consolidação dessa cooperação. “Eu citaria dois pontos, intimamente imbricados”, afirma. “Há uma desconfiança generalizada no Brasil entre os órgãos entre si, somada a uma disputa por protagonismo. De mais a mais, a máquina pública é lenta e engessada”, destaca, lembrando que é necessária uma convergência de vontade política difícil de conseguir, sobretudo no atual nível de contenda pública e política.

Abordando os papéis dos diferentes órgãos envolvidos nas negociações de acordos de leniência, ele observa que o Brasil tem um ineficiente e exagerado sistema de responsabilização por atos ilícitos. “Tanto CGU quanto TCU têm como papel sancionar administrativamente práticas corruptas lato sensu; já o MP se avocou a função de participar dos acordos, já que a ele toca controlar a licitude.”

Assim, explica Tangerino, o MP, as controladorias e os tribunais de contas se debruçam mais ou menos sobre os mesmos fatos, para aplicação de sanções sobrepostas. Segundo ele, a liderança dos acordos costuma estar com o MP e com a Controladoria, sem muito critério claro de a quem incumbe tocar quais tipos de acordo e por quê. “Os tribunais de contas acabam participando mais a posteriori, quando instados por uma dessas agências. Já o olhar da advocacia pública é voltado não para o caráter punitivo, sancionador, como tendo como horizonte a reparação do dano sofrido pelo ente estatal — costuma atuar mais como anuente nos acordos”.

Para as empresas envolvidas em corrupção e interessadas nesse tipo de acordo haveria vantagens com uma ampla cooperação entre as autoridades, diz o advogado. “Um acordo que ponha fim a todas as pretensões estatais representa um ganho enorme. Primeiro porque afasta longas disputas judiciais; segundo porque evita medidas cautelares que podem inviabilizar a atividade econômica (como bloqueios de bens ou proibição de contratação com entes públicos). Por fim, tende a envolver um valor menor do que aquele resultante de uma disputa judicial”, completa.

 

 

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