Como anda o open finance no Brasil

Apesar dos avanços, ainda há lacunas na implementação do sistema

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Apesar de a implementação do open finance já ter avançado bastante no Brasil, especialistas consideram que alguns aspectos ainda precisam ser resolvidos para que a iniciativa efetivamente alavanque a inclusão financeira dos consumidores, gere mais competividade entre os participantes do mercado e proporcione maior oferta de novos negócios financeiros.

De acordo com os advogados Celso Contin, Nadia Mohamad Waked e João Paulo Martins de Araújo, respectivamente sócio, associada e estagiário do Vieira Rezende Advogados, o sucesso da implementação do open banking depende muito da capacidade técnica e operacional dos reguladores para efetuar a análise das APIs (que fazem a interface entre os programas das diversas instituições participantes) e solucionar conflitos entre bancos e provedores terceirizados.

Na visão deles, o acúmulo de funções do Banco Central (BC) — que é ao mesmo tempo estruturador, implementador e supervisor do sistema — gerou entraves técnicos e demora na implementação e execução do sistema de regras. Diante desse contexto, eles consideram que a existência de um canal para a troca de experiências entre reguladores, instituições participantes e consumidores seria importante para resolver a questão. 

No Reino Unido — onde o open banking também uma realidade — foi criada uma entidade implementadora (Open Banking Implementation Entity, ou OBIE) formada pelos nove maiores bancos do país, com o objetivo de estabelecer padrões técnicos comuns a serem utilizados na implementação desse sistema.  

Na entrevista abaixo, Contin, Waked e Araújo falam sobre o andamento do open banking e open finance no Brasil e sua importância.


Esteve no Brasil recentemente um representante da autoridade britânica do open banking. O executivo avaliou que a implantação do sistema no Brasil, apesar de rápida, ainda tem algumas lacunas. Você concorda com essa avaliação? Por quê?

Celso Contin, Nadia Mohamad Waked e João Paulo Martins de Araújo: O open banking oferece maiores oportunidades de serviços financeiros aos consumidores, incumbentes e novos adeptos ao conjunto de regras. O uso de APIs (application programming interfaces, na sigla em inglês) na transmissão de dados entre instituições financeiras aumenta a inclusão financeira dos consumidores, gera mais competividade entre os participantes do mercado, assim como proporciona uma maior oferta de novos negócios financeiros. No Brasil, o open banking representou uma iniciativa inovadora do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BC). No entanto, concordamos com o representante britânico quanto à necessidade do preenchimento de determinadas lacunas. 

O sucesso da implementação do open banking depende muito da capacidade técnica e operacional dos reguladores para efetuar a análise das APIs, solucionar conflitos entre bancos e provedores terceirizados, entre outros requisitos. Delegar ao BC a competência para a elaboração, análise e supervisão das regras do open banking, assim como a estruturação e implementação do sistema, pode resultar, como a própria experiência mostrou, no acúmulo de funções pela autoridade supervisora, assim como em diversos entraves técnicos e demoras na implementação e execução do sistema de regras; principalmente, se não existir um canal de abertura de troca de experiências entre reguladores, instituições participantes e consumidores. 

O BC vem reunindo esforços na criação e implementação de grupos de trabalho e fóruns de discussão acerca da temática. Entretanto, podemos observar um exemplo mais concreto, como o do Reino Unido, onde uma entidade implementadora (Open Banking Implementation Entity, ou OBIE), foi formada pelos nove maiores bancos do país, inclusive por recomendações expressas da autoridade concorrencial, e cujo objetivo é o de estabelecer padrões técnicos comuns a serem adotados na implementação do open banking na jurisdição. A OBIE é um modelo de entidade que inspira diversas questões a serem pensadas e implementadas em nossa jurisdição, de forma a possibilitar uma melhor elaboração legislativa pelo BC e um maior atendimento das demandas técnicas e materiais dos participantes do mercado e consumidores. 

Outros riscos gerados pela implementação do open banking são cibernéticos, consumeristas e, até mesmo, de cunho concorrencial, tornando necessária uma adequação mais concreta das infraestruturas das APIs não apenas aos requerimentos das normas prudenciais em vigor, mas também ao entendimento e regulamentação dos órgãos de defesa da concorrência, das leis de proteção de dados e privacidade e segurança cibernética e proteção do consumidor. 


Na sua opinião, como está o andamento da implementação do open banking no Brasil? Quais são os pontos positivos e negativos desse processo? 

Celso Contin, Nadia Mohamad Waked e João Paulo Martins de Araújo: No Brasil, a implementação do open banking foi realizada em quatro fases — a primeira teve início em fevereiro 2021 e a última, em dezembro do mesmo ano, já no patamar das discussões do open finance. Este último reforçou e evoluiu o modelo de sistema financeiro aberto, pois incluiu, além dos dados sobre serviços financeiros, dados sobre credenciamento, câmbio, investimentos, previdência e seguros. O open finance foi oficialmente promulgado por meio da Resolução Conjunta 04 de 24 de março de 2022. 

As entidades que optaram por adotar o conjunto de regras do open banking, assim como o BC, se depararam com alguns entraves ao longo da implementação do sistema, gerando atrasos no cronograma de implementação das fases. Foi o que aconteceu, por exemplo, na fase 2 (compartilhamento de dados cadastrais e transacionais sobre serviços bancários tradicionais – contas, crédito, pagamentos). Inicialmente prevista para ser concluída em outubro de 2021, ela foi postergada para dezembro do mesmo ano. 

Apesar de negativos, tais atrasos não geraram grandes prejuízo na implementação do open banking no Brasil. Pelo contrário, possibilitaram que as instituições participantes pudessem compartilhar as experiências e dificuldades encontradas entre si e com o BC, o que aprimorou a experiência oferecida e a implementação das regras. 


Em que medida um open banking bem implementado pode beneficiar o mercado brasileiro, tanto para os consumidores quanto para o sistema financeiro? 

Celso Contin, Nadia Mohamad Waked e João Paulo Martins de Araújo: A criação de um sistema financeiro aberto proporcionou inovação, transparência e competividade ao sistema financeiro brasileiro e aos consumidores, assim como oferece maiores possibilidades de escolha entre produtos financeiros e a contratação de serviços personalizados. 

Em relação aos consumidores, a experiência internacional mostra que a implementação do open banking viabiliza novos modelos de negócios e aprimora a experiência de usuários de produtos e serviços financeiros (inclusive nas plataformas), diminui o custo dos serviços e aumenta a competitividade na oferta de serviços financeiros. São ganhos extremamente relevantes para os consumidores. 

Do ponto de vista das instituições financeiras, a exemplo dos bancos, o custo e tempo de desenvolvimento das APIs torna o desenvolvimento e a manutenção do open banking mais complexo para estes participantes, assim como torna a distribuição de responsabilidade entre bancos e terceiras partes um processo mais complexo de ser mapeado. Já em relação aos reguladores e supervisores, o benefício encontrado na estrutura de APIs foi viabilizar uma base mais sólida e segura para captura automatizada de informações e compartilhamento de informações entre as instituições financeiras 

De forma geral, um open banking bem implementado fomenta o mercado financeiro e de pagamentos, alavanca o desenvolvimento econômico, permite maior inclusão social, dentre outros aspectos. 

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