Chega ao Congresso MP que pretende melhorar ambiente de negócios

Causam desconfortos propostas de alteração em pontos da Lei das S.As., como as relativas às atribuições das assembleias gerais

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O Executivo enviou recentemente ao Congresso, via Medida Provisória (MP 1.041/21), uma proposta para mudanças em regras corporativas com o intuito de melhorar o ambiente de negócios no País. Trata-se de uma tentativa de tirar o Brasil de posição nada confortável nesse quesito em um ranking periodicamente elaborado pelo Banco Mundial (Doing Business). A lista elenca os países conforme as facilidades e burocracias para a criação e a gestão de empresas, entre outros aspectos.

“O texto apresenta três principais objetivos: redução da burocracia para abertura de empresas; previsão de práticas de governança corporativa para proteção dos acionistas minoritários; e aceleração do comércio exterior”, destaca Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados.

“Considero as propostas pertinentes em sua maioria, apesar de entender que medidas provisórias atreladas a regras de registro empresarial ou dinâmicas societárias podem gerar insegurança ou confusão legislativa na hipótese de não conversão em lei”, diz Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados.

A MP, por exemplo, altera pontos da Lei das S.As., determinando a obrigatoriedade da presença de integrantes independentes no conselho de administração de companhias nos termos e prazos posteriormente estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Impede, ainda, que uma mesma pessoa ocupe os cargos de diretor-presidente e presidente do conselho de administração. “A discussão sobre o tema de forma mais aprofundada nas casas legislativas poderia gerar regras mais robustas e adequadas ao mercado brasileiro”, avalia.

A seguir, Massoli e Chaves tratam dos demais aspectos envolvidos na MP.


Recentemente, o Executivo enviou ao Congresso a MP 1.040/21, que tem por objetivo melhorar o ambiente de negócios no País. Quais são os principais ajustes previstos?

A MP 1.040/21, segundo informações veiculadas em diversos veículos de comunicação, tem como objetivo melhorar a classificação do Brasil em ranking elaborado pelo Banco Mundial que inclui os países e suas características para realização de negócios.

Há na MP uma série de ajustes, porém, é possível apontar alguns mais relevantes. Destaca-se, por exemplo, a impossibilidade de a mesma pessoa figurar simultaneamente — ao menos em companhias abertas de médio e grande portes — como diretor-presidente e presidente do conselho de administração. A lógica, nesse caso, é proteger a independência dos órgãos, os quais, centralizados em uma mesma figura, podem intervir em decisões a serem tomadas por conselho ou diretoria.

Outro ponto importante é a obrigação de companhias abertas de contar com conselheiro independente em seus quadros, em prazo a ser fixado pela CVM.

Ainda, como mecanismo de proteção aos acionistas minoritários, passam a ser atribuição privativa da assembleia geral das companhias abertas a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado; e a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela CVM.

A Medida Provisória 1.040/21 apresenta três principais objetivos: redução da burocracia para abertura de empresas, previsão de práticas de governança corporativa para proteção dos acionistas minoritários e aceleração do comércio exterior.

Em relação ao primeiro objetivo, a MP altera algumas das regras de abertura de empresas no intuito de acelerar novas iniciativas de negócios no País. Como, por exemplo, a unificação das inscrições fiscais federal, estadual e municipal no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica; e a automatização do processo de concessão de alvará de funcionamento para o estabelecimento das empresas.

No que toca às inovações de governança corporativa nas companhias abertas, a MP veda o acúmulo dos cargos de diretor presidente e de presidente do conselho de administração e amplia a competência legal da assembleia geral para deliberar sobre transações com partes relacionadas que preencham critérios de relevância (a serem definidos pela CVM) e sobre a alienação de ativos que represente mais de 50% da totalidade de ativos da companhia. Adicionalmente, a MP impõe a participação de membros independentes nos conselhos de administração.

Por fim, outro relevante objetivo da MP é catalisar as transações de comércio exterior. Para tanto, o texto apresenta interessantes alterações, como redução de licenças de importações e exportações, disponibilidade de guichê eletrônico unificado para operadores de comércio exterior, digitalização no preenchimento de formulários e extinção da obrigatoriedade de navios com bandeira nacional para transações envolvendo estatais ou bens objeto de benefícios tributários.


Em termos de redução da burocracia, os pontos da MP ajudariam as empresas e seus negócios? Em que medida?

Além das diretrizes voltadas para a governança das companhias abertas, destacadas no tópico anterior, há alguns pontos da MP voltados para a simplificação dos negócios.

Algumas medidas tomadas para se evitar a burocracia no ambiente de negócios são concessão automática de alvará de funcionamento para empresas em grau de risco médio; sistema eletrônico para o empresário consultar viabilidade do endereço onde a empresa será instalada; proibição de cobrança — para registro de empresa — de dados já constantes em base de dados do governo federal.

Essas são algumas hipóteses capazes de reduzir a burocracia dos negócios, especialmente voltadas ao registro e funcionamento das empresas.

Assim como a Lei de Liberdade Econômica, a MP 1.040/21 é mais uma sinalização de que o governo vem buscando simplificar o processo de abertura e legalização de empresas no País. Nesse sentido, a MP tem alterações que automatizam algumas fases do processo e eliminam outras.

A título de exemplo: a fase de análise prévia de endereços para a sede de uma empresa em constituição é extinta pelo texto da MP, o que acelera o seu processo de abertura. Outro ponto importante é a unificação das inscrições municipal, estadual e federal no CNPJ. Hoje, as empresas precisam solicitar cadastros específicos perante os órgãos fiscais do município, do estado e da União. Já com a unificação das inscrições, bastará a emissão do CNPJ para a empresa estar regularmente inscrita em todos os órgãos fiscais nacionais.

A MP, certamente, atua em favor da pauta de “desburocratização” do ambiente de negócios brasileiro.


De maneira geral, você considera pertinentes as propostas da MP? Por quê?

Considero as propostas pertinentes em sua maioria, apesar de entender que medidas provisórias atreladas a regras de registro empresarial ou dinâmicas societárias podem gerar insegurança ou confusão legislativa na hipótese de não conversão em lei.

Desse modo, o caminho de discussão do tema nas casas legislativas para posterior publicação de lei efetiva poderia oferecer mais segurança jurídica às regras.

No entanto, quanto ao texto normativo em si, bem como à intenção, as propostas são em geral bem-vindas, pois buscam gerar lógica e valores de governança às grandes companhias por um lado e, por outro, favorecer um ambiente de facilitação para início das atividades empresariais.

Nas alterações concernentes ao processo de abertura de empresas e ao fomento do comércio exterior, a medida sinaliza pontos positivos, na medida em que a simplificação do registro empresarial e do comércio exterior pode aquecer o ambiente de negócios do País.

Todavia, no que toca às alterações previstas para a Lei 6.404/76, a conclusão não é tão simples. Por exemplo, a MP 1.040/21 veda a cumulação dos cargos de diretor presidente e de presidente do conselho de administração. Ainda que tal prática já seja adotada por alguns segmentos e que, inicialmente, seja uma boa prática de governança, expandi-la para todas as companhias abertas do País é algo que precisa ter seus efeitos analisados com cautela, considerando o impacto que pode gerar a determinadas companhias e à forma como atualmente estruturam seus órgãos de administração. É importante destacar que já existem no cenário atual regulações adotadas pela B3 e que cumprem bem o papel de, a depender do nível de governança adotado pela companhia, permitir, ou não, a listagem de seus papéis em determinados níveis.

Considerando esse cenário, é possível afirmar que algumas alterações na Lei das S.As. precisam ser mais bem estudadas, e, eventualmente, abertas para um debate mais amplo com o mercado.

 


Na sua análise, haveria excessos na MP especificamente nos pontos referentes às companhias abertas? Quais seriam?

Pelo caráter de captação de poupança popular e de representatividade no mercado, reitero a caráter abrupto de modificação de regras tão relevantes das sociedades anônimas, como atribuição da assembleia geral e a composição de conselho de administração e diretoria.

A discussão sobre o tema de forma mais aprofundada nas casas legislativas poderia gerar regras mais robustas e adequadas ao mercado brasileiro.

Um exemplo pode ser verificado na regra que impede a cumulação dos cargos de diretor-presidente e presidente do conselho de administração pela mesma pessoa. Nesse caso, apesar de ser regra de governança benéfica, ela pode não refletir o cenário desejado por determinada companhia ou determinados acionistas. Em outros termos, caso o acionista não deseje, caberá a ele decidir se participa ou não do capital de sociedade que possua essa característica de coincidência do titular de tais cadeiras.

Inclusive, sendo o Brasil um país que tradicionalmente tem companhias com controlador definido, a limitação legislativa pode representar afronta à autonomia privada, a qual deverá ser encontrada e refletida principalmente no desejo dos acionistas.

Algumas alterações da MP buscam trazer uma realidade corporativa internacional sem parecer considerar, em um primeiro momento, algumas das peculiaridades do ecossistema das companhias brasileiras. Além da vedação à cumulação de cargos executivos, a MP determina a eleição de membros independentes na composição do conselho de administração das companhias abertas. Como já dito, alguns segmentos da B3, como o Novo Mercado, já preveem a obrigatoriedade de membros independentes para as companhias nele listadas. Assim, o cenário atual, em que há a faculdade para as companhias optarem por cumprir com essas regras de governança, e com isso serem listadas em determinados segmentos da bolsa, por exemplo, torna-se mandatório a todas as companhias abertas.

Não é possível dizer que a obrigação de adoção de níveis mais elevados de governança seja um excesso, pois há na MP uma tentativa de tornar o mercado brasileiro mais atrativo e seguro para investimentos, oferecendo maior separação de competências entre acionistas e membros da administração. Entretanto, os efeitos dessa estrutura obrigatória de administração podem gerar impactos para determinadas companhias, que perderão a discricionariedade de determinar os níveis de governa que fazem sentido aos seus negócios.

Outro ponto que precisa ser considerado é relacionado à expansão da competência das assembleias gerais para deliberação sobre transações com partes relacionadas. Usualmente, essa é uma matéria deliberada pelo conselho de administração da maioria das companhias e “subir” sua alçada de deliberação para a assembleia geral é uma forma de restrição à liberdade dos acionistas de dispor, no estatuto social da companhia, a estrutura de alçadas que melhor se adeque à sua realidade.

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