Carf pretende reduzir estoque de casos de altos valores

Sessões virtuais permitiram aumento na quantidade de julgados, mas processos maiores ainda estão na fila

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A necessidade de isolamento social provocada pela pandemia alterou de maneira significativa numerosas atividades, e as sessões de julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não foram exceção. De um lado, o novo modelo virtual permitiu o aumento da quantidade de julgados; por outro, no entanto, elevou em pelo menos 120 bilhões de reais o montante de recursos que ficaram na fila. A discrepância decorre do fato de que nas sessões remotas só são julgados processos envolvendo até 12 milhões de reais, teto que deixa de fora as discussões mais vultosas.

Uma das ideias dos conselheiros para endereçar a questão é avaliar os casos para os quais já há teses estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou por súmulas do próprio Carf.

Como observa Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, as justificativas para a restrição de valor para os julgados envolvem desde o afastamento da possibilidade de casos mais relevantes serem privados de debates mais intensos (como acontece nas sessões presenciais) até um eventual receio da influência da nova configuração do voto de qualidade sobre casos de maior monta. “Nesse contexto, para a redução do estoque de casos, percebe-se uma tendência à aceleração do trâmite de processos cuja matéria já esteja pacificada, evitando-se surpresas nos resultados de julgamento”, destaca.

Enquanto a situação da pandemia não é amenizada, não há perspectiva de retomada das sessões presenciais no Carf. Mas na avaliação de Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, quando isso for possível uma alternativa para reduzir o estoque de casos de alto valor é a adoção de um sistema misto de julgamentos. “Haveria sessões virtuais para processos com valor envolvido de até 12 milhões de reais e sessões presenciais para julgamentos de processos com maior valor envolvido”, comenta.

Para Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Baichi Riccio Advogados, considerando a sistemática de julgamento virtual e o objetivo do conselho de esvaziamento do estoque de processos, os principais casos a serem analisados em 2021 envolvem a amortização de ágio e a tributação de ganho de capital. “Além disso, é possível que o Carf decida acerca dos juros de mora sobre autuações fiscais com depósito judicial parcial”, completa.

A seguir, Coimbra, Chiaradia e Braichi tratam de mais detalhes dos julgamentos no Carf.


Ao longo de 2021, o Carf pretende atuar de forma a reduzir o estoque de casos de alto valor financeiro. Na sua avaliação, como o órgão pode fazer isso diante da limitação de julgados de até 12 milhões de reais estabelecido para as sessões virtuais?

A pandemia e as regras de distanciamento social representam um enorme desafio para toda a sociedade, em especial para o funcionamento de órgãos colegiados. A limitação do valor de alçada parece ter diferentes razões, desde a prudência para que casos mais relevantes não sejam privados das discussões mais intensas, mais propensas a ocorrer em ambientes presenciais, até um eventual receio da influência da nova configuração do voto de qualidade sobre casos de maior monta. Nesse contexto, para a redução do estoque de casos, percebe-se uma tendência à aceleração do trâmite de processos cuja matéria já esteja pacificada, evitando-se surpresas nos resultados de julgamento.

Após a retomada das sessões presenciais, uma alternativa para reduzir o estoque de casos de alto valor é a adoção de um sistema misto de julgamentos, com sessões virtuais para processos com valor envolvido de até 12 milhões de reais e sessões presenciais para julgamentos de processos com maior valor envolvido. Mas antes da retomada das sessões presenciais, não vejo como o Carf pode reduzir o estoque de processos de maior valor financeiro, justamente porque casos como esses exigem um maior dinamismo nos julgamentos, que é impossível nas sessões virtuais.

A meu ver, não há óbice ao julgamento, de modo virtual, de processos que se concentrem em teses já definidas pelos tribunais superiores (STJ e STF), bem como questões que já são objeto de súmulas do próprio Carf, uma vez que nesses casos há menor necessidade de intervenção das partes. Além disso, a expectativa é que os conselheiros possam, em breve, se reunir — mesmo  que parcialmente — de  forma presencial, por meio de um modelo misto de realização das sessões de julgamento tão logo a pandemia apresente sinais de controle.

 

Na sua opinião, o que de mais importante está sobre a mesa do Carf neste ano?

Há muitos casos importantes de amortização de ágio pendentes de julgamento.

Considerando a sistemática de julgamento virtual, bem como o objetivo do conselho de esvaziamento do seu estoque de processos, entendo que os principais casos a serem analisados em 2021 envolvem a amortização de ágio e a tributação de ganho de capital. Além disso, é possível que o Carf decida acerca dos juros de mora sobre autuações fiscais com depósito judicial parcial.


Existe alguma perspectiva de retomada dos julgamentos presenciais em 2021?

Desejo e esperança remanescem. Mas ainda prevalecem muitas incertezas, como velocidade e eficácia das campanhas de vacinação e consequente redução de propagação da covid-19 e de lotação das instalações hospitalares.

Por enquanto, não há previsão para a retomada dos julgamentos presenciais.

A meu ver, é improvável que haja um retorno totalmente presencial dos julgamentos do Carf enquanto não houver um controle da pandemia de covid-19, que só deve ocorrer após a vacinação da maior parte da população. De qualquer modo, as expectativas são de um (possível) retorno no segundo semestre de 2021, com a adoção de um modelo misto de julgamento.


Em que medida a restrição às sessões virtuais pode prejudicar os contribuintes que recorreram ao órgão?

A demora no julgamento prorroga o sofrimento, as aflições e as incertezas inerentes aos processos que discutem a cobrança de tributos. Um aspecto que provavelmente virá à tona e ensejará muita discussão será a prescrição intercorrente. Muito embora a súmula 11 do Carf preveja que ela não se aplica nos processos administrativos, a tese tende a encontrar boa receptividade nos tribunais.

Para os casos de maior valor envolvido, os contribuintes serão prejudicados pela demora em se julgar casos de maior valor. Para os casos julgados via sessão virtual, há uma maior dificuldade em chamar a atenção dos julgadores para as particularidades de cada caso. O dinamismo entre contribuinte/advogado e conselheiro fica mais complicado, diferentemente das sessões presenciais.

As sessões virtuais de julgamento do Carf têm limitações ao direito de defesa dos contribuintes, como a impossibilidade de intervenção durante as sessões, impedindo a discussão de questões de maior complexidade. No entanto, esse cenário impacta ainda mais os grandes contribuintes, com causas de montante superior a 12 milhões de reais. Isso porque, caso o Carf mantenha a sistemática atual, estes terão que aguardar o julgamento presencial de seus processos, sem qualquer previsão para a resolução de suas demandas.

 

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