Carf mantém cobrança de IRRF sobre remessas para filiais no exterior

Caso envolve tributação de valor enviado pela Arcos Dorados a companhias com as quais tinha contratos de cost sharing

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O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve a cobrança de imposto de renda (IRRF) pela Receita Federal sobre remessas feitas pela Arcos Dorados no Brasil para unidades no exterior entre 2012 e 2013. A empresa é responsável pela administração da rede McDonald’s na América Latina.

O imposto é cobrado com base no artigo 7º da Lei 9.779/99, que sujeita os rendimentos do trabalho — com ou sem vínculo empregatício, de aposentadoria, pensão e prestação de serviços — ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior a uma alíquota de 25%. No caso concreto, a Fazenda Nacional e o procurador Rodrigo Burgos concluíram que havia um serviço prestado por estrangeiros e que a Arcos Dorados se beneficiou dele.

Segundo a empresa, no entanto, o valor não deveria ser tributado, já que parte dele corresponde a remessas de dinheiro feitas a unidades de fora do País com as quais tinha contratos de compartilhamento de custos — os chamados “cost sharing” — nas áreas de contabilidade, finanças e recursos humanos. As informações foram publicadas pelo jornal Valor Econômico.

Não há jurisprudência consolidada sobre o tema no Carf. Contudo, a interpretação acompanha outras decisões tomadas recentemente pela Receita Federal. A Solução de Consulta Cosit nº 276 de setembro de 2019, por exemplo, indicou a necessidade de tributação com base em determinações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com a Receita, há cobrança de IRRF quando os serviços prestados decorrem do cumprimento de contratos de cost sharing que não configurem benefício mútuo e tenham remuneração de retribuição direta.

Thiago Braichi e Carlos Ferrari, advogados afiliados ao Legislação & Mercados, comentam o caso da Arcos Dorados e suas implicações para outras empresas na aplicação de imposto de renda sobre valores repassados a unidades do exterior.


Casos anteriores na jurisprudência brasileira

L&M: Segundo informações do jornal Valor Econômico, o Carf manteve a cobrança de IRRF sobre valores pagos a unidades de fora do País pela Arcos Dorados, empresa que administra a rede McDonald’s na América Latina. Em termos de jurisprudência, o que já havia sido decidido a respeito da cobrança de impostos sobre valores repassados a unidades no exterior?

A tributação sobre remessas ao exterior é um tema de extrema relevância, mas que ainda não conta com um entendimento sedimentado na jurisprudência do Carf, ou mesmo da Receita Federal, quando se trata dos contratos de compartilhamento de custos (cost sharing agreements).

Até 2012, o entendimento predominante era no sentido de que as remessas eram tributáveis, ainda que oriundas dos contratos de compartilhamento de custos. A grande mudança ocorreu com a publicação da Solução de Consulta nº 08/2012 e da Solução de Divergência nº 23/2013, nas quais foram estabelecidos os critérios que devem ser identificados para que as remessas sejam caracterizadas como reembolso de despesas/rateio de custos e, consequentemente, sem tributação.

Após essas decisões, o contribuinte passou a entender que, uma vez cumpridos os requisitos previstos pelo entendimento da Receita Federal, as remessas (internas ou externas) amparadas pelo contrato de compartilhamento de custos não deveriam enfrentar maiores problemas. Mas não foi o que se verificou com as decisões seguintes.

Chamo atenção para a Solução de Consulta nº 4.001/2017 (SRRF04/Disit) em que se lê na ementa que deverá incidir Cofins-importação “inclusive no caso de operações realizadas no âmbito de acordos de repartição de custos e despesas, em qualquer de suas modalidades”, uma vez que está identificada a hipótese de incidência da contribuição, que é a remessa de valores para domiciliados no exterior.

Sem o objetivo de fazer uma análise extensa da jurisprudência sobre as remessas ao exterior no âmbito do compartilhamento de custos, a divergência entre o posicionamento inicial da Receita Federal (que prezava pelo caso a caso e pela formalização via contrato) e o demonstrado na decisão de 2017 deixa claro que ainda não há uniformidade no tratamento dado pela Receita a essas remessas.

Esse cenário impede que o contribuinte tenha segurança para fazer suas escolhas e saber como instituir o compartilhamento de despesas, além de levá-lo a correr riscos de imputação de multa e juros mesmo diante do cumprimento dos requisitos firmados pela própria Receita Federal, apenas por se tratar de remessa internacional.

O caso envolve a tributação de pagamentos feitos por empresa brasileira a empresas vinculadas (coligadas/controladas/controladora) no exterior, a título de rateio de despesas administrativas supostamente comuns entre elas, amparadas por contrato de compartilhamento de custos e despesas (cost sharing agreement).

A jurisprudência ainda é um pouco escassa no Carf com relação a pagamentos a coligadas no exterior, mas a validade tributária de cost sharing agreements entre empresas vinculadas situadas no Brasil já foi reconhecida pelo órgão. Ele exige critérios objetivos, predefinidos, detalhados e razoáveis para que os custos e despesas rateados possam ser adequadamente deduzidos no lucro real — além de não serem considerados receitas operacionais da empresa que recebe o pagamento, mas sim reembolso de despesas.

 


Cobrança de IRRF sobre remessas feitas para unidades de fora do País

L&M: Como avaliar a cobrança do imposto nesse tipo de situação? Quais pontos devem ser observados pela Receita Federal para cobrar ou não IRRF?

Entendo que, caso fique comprovado que a operação é proveniente de um contrato de compartilhamento de custos e este atenda aos requisitos para sua caracterização, não há razão para se falar em incidência desse imposto, uma vez que não haveria um efetivo lucro e incremento patrimonial por parte das sociedades envolvidas.

Apesar de não haver regulamentação específica sobre essa matéria, a Receita Federal já proferiu entendimento em diversas soluções de consulta sobre os requisitos necessários à qualificação da atividade para a modalidade contratual. Dentre eles, destaco: a efetiva divisão dos custos e riscos inerentes às atividades das sociedades; a previsão do benefício esperado de cada sociedade do grupo com o compartilhamento dos custos; a consistência da contribuição de cada sociedade com os benefícios esperados; a pactuação contratual do reembolso pelo ressarcimento dos custos assumidos pela unidade centralizadora.

Esses requisitos comprovam o caráter de reembolso dos pagamentos — o que converge com a ausência de acréscimo patrimonial — e, consequentemente, afasta o pagamento de IR. Entendo que as premissas básicas do compartilhamento de custos são a manutenção da estrutura comum de um grupo empresarial e o rateio de despesas; logo, o IR só poderá ser exigido caso essas premissas se desnaturem e seja identificada a efetiva prestação de serviços entre as partes.

 

A incidência do IRRF deve ocorrer apenas se os pagamentos forem feitos em razão de um serviço tomado pela empresa brasileira, e não no caso de rateio de despesas administrativas em geral.

Para se afastar a incidência do IRRF, deve-se atender aos seguintes requisitos: o objeto do pagamento (suposto “serviço”) deve ser atividade-meio da empresa no exterior (e não atividade-fim); deve haver contrato previamente formalizado entre as partes, com critérios objetivos, detalhados e razoáveis; não deve haver margem de lucro para quem recebe os pagamentos.

Contudo, por meio da recente Solução de Consulta Cosit Nº 276/2019, a Receita Federal inovou, com um novo requisito: o contrato de cost sharing deve trazer “benefício mútuo entre as empresas participantes”. A Receita Federal equivocadamente impôs um novo requisito a partir de um conceito existente no manual da OCDE (“Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”), o qual, na verdade, trata de parâmetros tributários no compartilhamento de custos entre empresas vinculadas no caso de consórcios/joint-ventures para o desenvolvimento de projetos em conjunto (relacionados às atividades-fim dos participantes). Não é a mesma situação dos rateios de despesas administrativas.

 


Implicações para as empresas

L&M: Ressalvando que ainda cabe recurso dentro do próprio Carf no caso da Arcos Dorados, quais setores e empresas devem ser mais afetados se a cobrança de imposto se confirmar?

Como se trata de julgado específico sobre remessas para o exterior, caso a decisão se mantenha e seja aplicada como precedente, os grupos multinacionais serão os maiores prejudicados — especialmente aqueles em fase de expansão/instalação no Brasil. Isso porque o compartilhamento de despesas é utilizado para o back office das empresas, ou seja, os setores de recursos humanos, propaganda, tecnologia da informação, financeiro, contabilidade, entre outros.

Dessa forma, é muito comum que as empresas concentrem esses setores — que acabam por ser os mais prejudicados — em algum(ns) dos estabelecimentos do grupo, visto que se trata de atividades universais.

Caso uma empresa global esteja analisando a viabilidade de se instalar/expandir no Brasil, com certeza a aplicação de tributação no reembolso de despesas prejudicará o custo da operação, uma vez que o rateio é utilizado como um redutor de custos. Ou seja, há um contrassenso: algo que deveria reduzir custos acaba por gerar um passivo para a empresa.

Empresas estabelecidas no Brasil que sejam controladas/coligadas de empresas no exterior e que remetam valores para fins de pagamento de reembolsos/rateios de despesas administrativas do grupo. Essas empresas devem rever com bastante cautela seus contratos de cost sharing, para evitar a caracterização de “prestação de serviços”.

 


Consolidação de entendimento do Carf

L&M: O caso da Arcos Dorados tende a consolidar um entendimento do Carf sobre a aplicação de IR nessas situações?

Ainda é cedo para confirmar qualquer tendência do Carf sobre o assunto, especialmente considerando que a decisão proferida no processo sequer foi publicada. Entendo que, dada a relevância econômica do contribuinte, é preciso que contribuintes e advogados estejam cientes e preparados para a publicação do acórdão.

Como se trata de contrato atípico na legislação brasileira, o posicionamento da jurisprudência é o direcionamento que pode fornecer ou retirar a segurança do contribuinte brasileiro ou com estabelecimento no Brasil em celebrar esse tipo de acordo.

Nos países da OCDE, essa modalidade contratual já é mais disseminada, de forma que ainda podemos esperar novos julgados sobre o tema tanto no Carf quanto no Judiciário, que conta com pouquíssimos precedentes sobre o assunto.

Logo, entendo que ainda temos um longo caminho a percorrer antes que se fale em consolidar o entendimento.

Ainda não. Essa decisão não foi unânime e são poucas as decisões sobre o assunto, que ainda não chegou à Câmara Superior. Além disso, a própria interpretação da Receita Federal sobre o assunto (SC nº 276/2019) não veda totalmente a não incidência sobre pagamentos ao exterior, mas estabelece critérios para a caracterização de “compartilhamento de custos”, sem tributação de IRRF sobre as remessas.

Por fim, as decisões do Carf tendem a variar conforme as especificidades de cada caso/contrato.

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