Carf afasta cobrança de imposto sobre permuta de imóveis
Fim do voto de qualidade, estabelecido pela Lei 13.988/20, favoreceu contribuintes diante de empate
Em julgamento recente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que não devem ser tributadas as operações de permuta de imóveis, bastante comuns no mercado brasileiro. Contribuiu para que prevalecesse essa interpretação benéfica aos contribuintes o fato de não mais existir no órgão o voto de qualidade — no caso específico, houve empate de votos, situação em que o ganho de causa é do contribuinte, conforme estabelece a Lei 13.988/20.
Como explica Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz, Capuruço Braichi Riccio Advogados, a permuta de imóveis é um procedimento que consiste na troca de imóveis envolvendo ou não o pagamento de um valor complementar em bens ou dinheiro. No caso analisado pelo Carf se discutia se a permuta configurava operação tributável, considerando que poderia representar a obtenção de alguma espécie de receita.
O julgamento ofereceu um exemplo prático do fim do voto de qualidade. Antes da Lei 13.988/20, quando uma sessão terminava com empate, a decisão ficava a cargo do presidente da turma julgadora, representante da Fazenda Nacional, destaca Braichi. Nessa circunstância, portanto, não era raro que empates acabassem sendo desfavoráveis para os contribuintes.
A decisão ajuda a nortear as avaliações tributárias quanto às permutas de imóveis. “Com a determinação de afastamento da tributação, o Carf interpretou a operação de permuta de imóveis, à luz da legislação civil, como uma situação de neutralidade da relação jurídica, não havendo que se falar em percepção de receita”, observa Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.
A seguir, Chiaradia e Braichi detalham os aspectos da decisão do Carf.
Em decisão recente, o Carf determinou o afastamento da tributação sobre permuta de imóveis. Em linhas gerais, como funciona hoje a cobrança de impostos nessas situações?
De acordo com o Parecer Normativo Cosit nº 9/2014, a orientação da Receita Federal é a de que, na operação de permuta de imóveis com ou sem recebimento de torna, realizada por pessoa jurídica que apura o imposto sobre a renda com base no lucro presumido, dedicada a atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária, construção de prédios destinados à venda, bem como a venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda, constituem receita bruta tanto o valor do imóvel recebido em permuta quanto o montante recebido a título de torna.
A permuta de imóveis é um procedimento amplamente utilizado no mercado imobiliário que consiste na troca de imóveis envolvendo ou não o pagamento de um valor complementar em bens ou dinheiro. Embora a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha firmado importante precedente no julgamento do REsp 1733.560, no qual entendeu que a permuta não compõe a base de cálculo do IRPJ e das demais contribuições sociais, a Receita Federal vinha entendendo que a operação, quando realizada por empresas do lucro presumido, deveria ser tributada em sua integralidade.
Nesse sentido, o Carf já havia se pronunciado em decisões anteriores de forma desfavorável aos contribuintes ao entender que a permuta equipara-se à venda, compondo a receita bruta da pessoa jurídica mesmo nas situações que não envolvam o pagamento de torna.
Em razão do entendimento do Carf, diversos contribuintes buscaram o Judiciário para discutir a questão, tendo em vista os precedentes favoráveis sobre o afastamento da tributação nessas operações de permuta de imóveis.
O que deve mudar com a decisão do Carf?
Com a determinação de afastamento da tributação, o Carf interpretou a operação de permuta de imóveis, à luz da legislação civil, como uma situação de neutralidade da relação jurídica, não havendo que se falar em percepção de receita.
A decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf abre um importante precedente sobre o tema em âmbito administrativo, oferecendo maior segurança jurídica ao setor imobiliário. Além disso, embora já houvesse decisões judiciais afastando a incidência de IRPJ e outras contribuições sobre a permuta, agora é possível que os contribuintes se sintam mais seguros para discutir a questão também administrativamente.
Nesse caso específico, o fim do voto de qualidade representou benefício para o contribuinte?
Sim, representou benefício ao contribuinte uma vez que houve empate nos votos dos conselheiros e, nesse caso, respeitou-se o artigo 19-E da Lei 10.522/02, acrescido pelo artigo 28 da Lei 13.988/20, determinando-se o resultado de julgamento em favor do contribuinte.
Não há dúvidas de que o julgamento sobre permuta de imóveis foi impactado diretamente pelo fim do voto de qualidade no Carf. Esse mecanismo, amplamente utilizado pelo conselho, consistia na possibilidade de desempate nos julgamentos pelo presidente da turma julgadora, representante da Fazenda Nacional. Desse modo, a extinção do voto de qualidade pela Lei 13.988/20 — responsável por alterar o artigo 19-E da Lei 10.522/02 — representa uma grande vitória aos contribuintes, uma vez não era incomum a sua utilização para a defesa dos interesses do fisco.
Entendo que, em face de outros precedentes desfavoráveis no Carf sobre o tema, é provável que o voto de qualidade contribuísse para que o entendimento do CSRF fosse novamente contrário ao afastamento da tributação sobre a permuta de imóveis.
A mudança no entendimento em relação à permuta de imóveis se estende a outros casos semelhantes?
Entendo que não. A mudança na interpretação está restrita aos casos de permuta de imóveis.
A meu ver não há óbice para que o precedente se estenda a outros casos semelhantes, impactando os setores da construção civil e imobiliário, que frequentemente enfrentam autuações da Receita Federal sobre as operações de permuta de imóveis. No entanto, entendo sobre a inaplicabilidade desse julgado nos casos de permuta com recebimento de torna em dinheiro, correspondente a diferença de valor entre os imóveis trocados.
Nesse caso, o entendimento da Receita Federal é pacífico no sentido de que há incidência de Imposto de Renda sobre o ganho de capital proporcional ao valor da torna, uma vez que a operação envolverá uma efetiva transferência de receitas, e não apenas uma substituição de ativos.