Carf abre importante precedente sobre “tese do século”

Decisão considera que regimes especiais de tributação também podem se beneficiar da exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins

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Recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que favoreceu um contribuinte poderá ser levada em conta e vir a influenciar discussões referentes ao direito de empresas participantes de regimes especiais de tributação – como as dos setores de bebidas e combustíveis – também se beneficiarem do resultado da “tese do século”.

Esta última diz respeito à exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins, conforme julgado no Tema 69 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. A corte entendeu que, como o ICMS não pode ser considerado receita bruta das empresas e que apenas transita pela contabilidade destas, deve ser excluído da base de cálculo do Pis e da Cofins, que é dada pela receita bruta das empresas – com a exclusão, o imposto a pagar é menor.

No entanto, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 177/2019, em 2019, que considerava que a exclusão determinada pelo STF não se aplicava às empresas participantes dos regimes especiais – como os setores de bebidas e de combustíveis. Nestes, o Pis e a Cofins não são calculados diretamente sobre a receita bruta, mas sim sobre valores fixos sobre a produção por litros ou metros cúbicos. A Receita entende que o STF não analisou, no julgamento, nada referente aos regimes especiais e, além disso, nesses regimes o ICMS sequer integraria a base de cálculo do Pis e da Cofins – portanto não faria sentido se falar em exclusão.

Carf abre um precedente para empresas dos regimes especiais

O Carf, no julgamento em questão, discordou da Receita e deu razão ao contribuinte (a Ambev), permitindo a exclusão do ICMS da base do Pis e da Cofins. A empresa havia transmitido declarações de compensação de Pis e de Cofins para recuperar valores indevidamente pagos com a inclusão do ICMS, mas a compensação foi glosada – e a empresa, autuada.

No julgamento, o Carf entendeu nesses regimes especiais há apenas uma forma diferente para se medir a receita/faturamento das empresas dos regimes especiais. “A decisão do Carf é muito pertinente e sinaliza que o entendimento da Receita Federal do Brasil acerca da matéria é no mínimo questionável”, afirma Frederico Bakkum, associado do Vieira Rezende Advogados. Bakkum completa que não é porque existem técnicas distintas/especiais de apuração das contribuições ao Pis e à Cofins que esses tributos não incidem sobre a receita das empresas.

A visão de Nathan Amaral e Sávio Hubaide, associados do Freitas Ferraz  Advogados, é a mesma: “A decisão foi pertinente, e refutou a fundamentação utilizada na Solução de Consulta Cosit nº 177/2019, que afirma que o ICMS não integra a base de cálculo na sistemática de apuração dos regimes especiais. Como bem observado no voto vencedor, as alíquotas fixas por litro produzido são calculadas com base em um preço médio de mercado, que considera o ICMS incluído no preço de venda”.

Agora, a expectativa dos advogados é que a decisão tenha aberto um precedente importante. “Ainda que a decisão seja aplicável apenas àquele caso concreto, poderá servir de paradigma para que casos similares possam ser apreciados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, permitindo um maior aprofundamento da matéria e a consolidação da jurisprudência no âmbito do Carf. Caso algum contribuinte venha a ter decisão administrativa desfavorável, poderá interpor recurso especial e continuar discutindo a matéria”, considera Bakkum.

Hubaide e Amaral lembram que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ainda pode entrar com recurso e que a decisão não é vinculante. “De toda forma, espera-se que seus fundamentos sejam adotados também por futuras decisões administrativas e judiciais sobre o tema, para assegurar o direito desses contribuintes.”

Na entrevista abaixo, Amaral, Bakkum e Hubaide abordam a decisão do Carf e a sua importância.


– Uma grande empresa conseguiu vencer em julgamento no Carf relacionado à “tese do século”. Em linhas gerais, no que consiste essa tese?

Frederico Bakkum: A chamada “tese do século” consiste na tese jurídica que advogava pela exclusão do ICMS das bases de cálculo do Pis e da Cofins, analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 69 da repercussão geral. Nesse tema, o STF decidiu que o ICMS não deve compor as bases de cálculo das contribuições ao Pis e à Cofins, na medida em que o ICMS não está inserido no conceito de receita/faturamento, que são as bases de cálculo constitucionalmente estabelecidas para as referidas contribuições.

No caso analisado pelo Carf, o que se discutiu foi se as empresas que apuram as contribuições ao Pis e à Cofins por meio de regimes especiais poderiam, ou não, excluir o ICMS das bases de cálculo das contribuições. A análise se referiu a uma empresa do setor de bebidas, cujas contribuições são fixadas por unidade de litro do produto vendido, multiplicado por um valor fixado pelo governo.

Sávio Hubaide e Nathan Amaral: No julgamento da “tese do século” (Tema 69), o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o ICMS não compõe as bases de cálculo do Pise da Cofins, contribuições que incidem sobre a receita bruta das empresas.

O principal fundamento da decisão do STF foi o de que o ICMS não pode ser considerado receita, pois apenas transita pelo patrimônio das empresas, até ser repassado às Fazendas Públicas Estaduais. Por isso, não se incorpora definitivamente ao patrimônio, o que é uma das características necessárias para a caracterização de um ingresso como receita.


– Nesse tema, qual é o impasse que existe entre a decisão do STF e a interpretação da Receita Federal?

Frederico Bakkum: A Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta, manifestou entendimento no sentido de que não seria possível excluir o ICMS das bases do Pis e da Cofins apurados em regimes especiais, na medida em que a apuração não considerava a receita/faturamento como base de cálculo, mas o volume vendido pela empresa. Dessa forma, no entendimento da autoridade fiscal, não haveria qualquer discussão quanto à inclusão ou não do ICMS nas bases, pois a receita/faturamento seria irrelevante para esse tipo de apuração.

O Carf, por outro lado, concluiu que nesses regimes especiais há apenas uma forma diferente para se medir a receita/faturamento das empresas do setor, o que não exclui a obrigação de se retirar das bases de cálculo o valor do ICMS destacados nas notas fiscais de venda.

Sávio Hubaide e Nathan Amaral: Nos regimes especiais de tributação de adesão facultativa de empresas dos setores de bebidas e combustíveis, as contribuições não são calculadas diretamente sobre a receita bruta, mas sim sobre valores fixos sobre a produção por litros ou metros cúbicos.

A Receita Federal entende que a “tese do século” não se aplica aos optantes por esses regimes especiais por dois principais motivos. Primeiro, porque o tema dos regimes especiais não foi expressamente examinado pelo STF. Segundo, pois nesses regimes o ICMS sequer teria integrado a base de cálculo das contribuições, motivo pelo qual não haveria que se falar na exclusão de algo que jamais compôs as bases.

Portanto, essa diferença na sistemática de apuração, somada à ausência de análise expressa pelo STF, impediria que os contribuintes que aderem ao regime se beneficiassem da “tese do século”, conforme manifestado pela Receita Federal na Solução de Consulta Cosit n.º 177/2019.


– Na sua avaliação, foi pertinente a decisão do Carf em favor do contribuinte no caso concreto? Por quê?

Frederico Bakkum: A decisão do Carf é muito pertinente e sinaliza que o entendimento da Receita Federal do Brasil acerca da matéria é no mínimo questionável. Não é porque existem técnicas distintas/especiais de apuração das contribuições ao Pis e à Cofins que esses tributos não incidam sobre a receita das empresas; essa é a hipótese de incidência constitucionalmente estabelecida, e é exatamente a riqueza medida por meio do regime especial.

A utilização desses regimes de apuração visa apenas dar maior segurança à própria fiscalização acerca do volume de operação realizado por essas empresas e não poderia, de forma alguma, ser utilizado como justificativa para majorar, ainda que por vias transversas, a tributação do setor de bebidas e combustíveis.

O precedente será importante inclusive para viabilizar o acesso dos contribuintes à Câmara Superior do Carf, caso venham a ter decisão desfavorável na Câmara baixa. A matéria ainda está longe de ser pacificada, mas o precedente certamente enriquecerá discussão administrativa. 

Sávio Hubaide e Nathan Amaral: A decisão do Carf julgou recurso voluntário de empresa do setor de bebidas, optante pelo regime especial de tributação fixa por litros produzidos. A empresa, com base em uma decisão judicial individual que reconheceu o direito à exclusão do ICMS das bases de cálculo das contribuições, transmitiu declarações de compensação de Pis e de Cofins para recuperar valores indevidamente pagos com a inclusão do imposto.

Essas compensações foram glosadas pela fiscalização, aos fundamentos de que as decisões judiciais da empresa e do Tema 69 não abordaram especificamente a exclusão do ICMS nos regimes especiais, e que o ICMS não integraria a base de cálculo nesse regime, motivo pelo qual não seria admitida sua exclusão.

Mantidas as glosas na decisão de primeira instância administrativa, o Carf deu provimento ao recurso do contribuinte, para admitir as compensações (Acórdão 3302-014.106).

A decisão foi pertinente, e refutou a fundamentação utilizada na Solução de Consulta Cosit nº 177/2019, que afirma que o ICMS não integra a base de cálculo na sistemática de apuração dos regimes especiais. Como bem observado no voto vencedor, as alíquotas fixas por litro produzido são calculadas com base em um preço médio de mercado, que considera o ICMS incluído no preço de venda.

Além disso, a decisão afirmou que a fórmula de cálculo escolhida pelo contribuinte não justifica a limitação do conceito de receita bruta pela Receita Federal, e citou decisões judiciais que já afastaram o entendimento da Solução de Consulta Cosit nº 177/2019.


– Essa decisão do Carf pode beneficiar outros contribuintes? De que maneira?

Frederico Bakkum: Ainda que a decisão seja aplicável apenas àquele caso concreto, poderá servir de paradigma para que casos similares possam ser apreciados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, permitindo um maior aprofundamento da matéria e a consolidação da jurisprudência no âmbito do Carf. Caso algum contribuinte venha a ter decisão administrativa desfavorável, poderá interpor recurso especial e continuar discutindo a matéria.

Sávio Hubaide e Nathan Amaral: A decisão ainda comporta recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Contudo, será necessário comprovar a existência de decisões divergentes do Carf sobre o tema. Como essa é a primeira decisão conhecida, tal comprovação será um empecilho para um eventual Recurso Especial.

Trata-se de uma decisão importante, que pode conferir maior segurança jurídica às empresas optantes pelos regimes especiais de tributação do Pis e da Cofins, que pretendem compensar valores indevidamente recolhidos com a inclusão do ICMS nas bases de cálculo.

Afinal, desde a Solução de Consulta nº 177/2019, há empresas optantes por esses regimes especiais com créditos de Pis e Cofins “parados” (não homologados ou sequer transmitidos), devido ao posicionamento desfavorável da Receita Federal.

Vale ressaltar, contudo, que a decisão não é definitiva, tampouco vinculante. De toda forma, espera-se que seus fundamentos sejam adotados também por futuras decisões administrativas e judiciais sobre o tema, para assegurar o direito desses contribuintes.


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1 comentário
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