BNDES quer estimular debêntures de infraestrutura dedicadas a projetos sustentáveis

Banco planeja investir 8,5 bilhões de reais nesses títulos

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O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quer estimular as debêntures incentivadas de infraestrutura voltadas a financiar projetos sustentáveis. Para isso, planeja investir 8,5 bilhões de reais nesses títulos neste e no próximo ano. Eles podem financiar, por exemplo, projetos de energia renovável (como a solar e a eólica) e de saneamento básico.

Celso Arbaji Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados, explica que o Decreto 10.387/20 incluiu os projetos com impactos socioambientais positivos entre aqueles que fazem jus ao benefício fiscal estabelecido pela Lei 12.431/11, que instituiu as debêntures incentivadas de infraestrutura.

Mas ainda faltam medidas para que esses projetos deslanchem. Conforme prevê a lei, cada ministério precisa delimitar os tipos de projetos ou áreas para incentivos verdes — e ainda é necessário que o Ministério do Meio Ambiente estabeleça uma série de práticas aplicáveis aos recursos, comenta Contin. Ainda assim, a ênfase dada pelo banco a projetos que considerem critérios ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) deve ser importante para fomentar esse mercado. Confira mais detalhes na entrevista abaixo: 


Recentemente o BNDES manifestou interesse no reforço do uso das debêntures incentivadas de infraestrutura para a área de investimentos verdes. Como funciona essa categoria de debêntures isentas de imposto de renda? 

As debêntures incentivadas foram criadas pelo governo federal através da edição da Lei 12.431/11, como forma de incentivar financiamentos privados ao setor de infraestrutura e diminuir a dependência do setor em relação ao BNDES. 

A Lei 12.431/11 estabeleceu que contariam com a isenção do imposto de renda os projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, considerados como prioritários na forma regulamentada pelo Poder Executivo federal. A partir de então, os ministérios, cada um em sua respectiva área de competência, editaram normas para definir quais seriam os chamados “projetos prioritários” e possibilitar a captação de recursos. 

No setor de energia, por exemplo, o Ministério de Minas e Energia editou as Portarias MME 245/2017, 364/2017 e 252/2019 para, respectivamente, estabelecer as condições para os projetos prioritários de distribuição de energia elétrica, transmissão e geração de energia elétrica e investimentos em gás natural. 

A isenção do imposto de renda, por sua vez, é dada ao investidor e, na prática, significa uma captação de recursos pelas empresas com uma taxa de juros mais baixa. A remuneração bruta do título incentivado torna-se, então, mais atraente ao investidor graças à isenção, pois mesmo diante de taxas menores aufere o mesmo ganho em função do benefício, se comparada a taxas maiores porém sujeitas à incidência do imposto de renda. 


Quais seriam as implicações, para o mercado de capitais, de uma presença mais maciça do BNDES na emissão de debêntures para projetos socioambientais de infraestrutura?

O BNDES é um dos maiores bancos de fomento do mundo, tendo notória capacidade de estimular atividades econômicas ou setores específicos. 

A presença do BNDES nas emissões de debêntures de infraestrutura tem o potencial de canalizar seus incentivos ao setor, além de servir como uma chancela ao investidor. A prática de participar de emissões importantes para o desenvolvimento do país já é adotada por bancos de fomento em diversos países, inclusive na América Latina.

Operações com a participação do BNDES também poderiam definir novas práticas mínimas, padrões, certificações e governança para os títulos, como os green bonds, por exemplo. Isso eleva o padrão do mercado de capitais como um todo, à medida que práticas adotadas pelo BNDES podem funcionar como modelo para as transações de mercado de capitais sem a participação do banco de desenvolvimento.


Em que medida a estrutura de green bonds ajuda a alavancar os investimentos verdes no País? Garante segurança jurídica para as operações?

A questão ambiental é uma grande preocupação internacional. Diversos investidores vêm se posicionando no sentido de aplicarem seus recursos em projetos de impacto nessa área ou de apenas financiarem empresas com um compromisso socioambiental definido. 

Nesse sentido, os green bonds são alternativas cada vez mais buscadas pelos investidores. Como eles já são bastante conhecidos no mercado internacional, a utilização do mesmo modelo no Brasil facilita a proliferação dos investimentos verdes. 

Os green bonds são títulos comumente emitidos no mercado de capitais, cuja emissão prevê: a existência de regras claras para a utilização dos recursos nos documentos da emissão, os quais devem gerar um impacto positivo socioambiental; e a comprovação, feita através de medições periódicas por uma certificadora reconhecida no mercado, de que a emissora está seguindo os compromissos assumidos durante a vida do papel.

Assim, sob o ponto de vista de segurança jurídica, o misto dos compromissos assumidos na emissão e da certificação gera ao investidor segurança jurídica que os recursos serão aplicados conforme o compromisso assumido pelo emissor. 

Levando o conceito para as debêntures de infraestrutura, pode haver um impacto positivo expressivo sob o aspecto socioambiental, em linha com o desenvolvimento de uma infraestrutura moderna, com respeito ao meio ambiente e aos cidadãos normalmente afetados pelas obras.


Na sua opinião, faltam medidas específicas ou ajustes legais para o mercado de green bonds deslanchar no Brasil, acompanhando a onda crescente de investimentos ESG?

O Brasil acordou para a questão. A edição do Decreto 10.387/20 que estendeu a isenção de IR aos projetos de infraestrutura com impactos socioambientais positivos é um bom ponto de partida. Em linha com o já realizado em relação à Lei 12.431/11, cada ministério deveria delimitar os tipos de projetos ou áreas para incentivos verdes. Ainda, o Ministério do Meio Ambiente deveria elencar uma série de práticas aplicáveis a recursos.

Passos adicionais poderiam ser feitos como, por exemplo, a implementação de programas oficiais para o incentivo de investimentos verdes pelos ministérios competentes e a edição, por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de um regime de emissão incentivado.

No mercado, diz-se que, em algum tempo, o padrão será a estruturação de investimentos que contenham práticas de ESG e títulos verdes. Até que isso vire uma realidade, todo incentivo a esse tipo de emissão é bem-vindo.

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