Avança no Congresso tramitação da nova Lei de Execução Fiscal

Mudanças visam aliviar o Judiciário, agilizar e racionalizar as cobranças de débitos incluídos em dívida ativa

0

Em meados de junho, foi aprovado pela Comissão Temporária para Exame de Projetos de Reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional no Senado o texto do PL 2.488/22, referente à nova Lei de Execução Fiscal. O projeto segue para apreciação da Câmara dos Deputados. O intuito desse PL, que integra uma ampla reforma do processo tributário, é agilizar e racionalizar a cobrança de débitos incluídos em dívida ativa (da União, dos estados e dos municípios e suas respectivas autarquias). Com isso, espera-se desafogar o Judiciário com a redução do contencioso – com um sistema de cobrança mais eficiente, seria reduzida a quantidade de processos que chegam à Justiça. A lei atual (Lei 6.830) é de 1980.

“Segundo o ‘Justiça em Números’, relatório anual apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com os principais dados do Poder Judiciário, até o fim de 2023 os processos de execução fiscal representavam aproximadamente 59% das execuções pendentes, totalizando 26,4 milhões de processos em tramitação. O objetivo principal da reforma é aliviar o Judiciário por meio da racionalização da cobrança dos débitos inscritos em dívida ativa”, comentam Júlia Swerts e Nathan Amaral, advogados do Freitas Ferraz.

“Diante de um cenário de constantes avanços tecnológicos – os quais, inclusive, permitiram ao Poder Judiciário avaliar a produtividade dos tribunais e ao ente público mensurar o grau de recuperabilidade do crédito tributário exigido na esfera judicial –, a Lei de Execução Fiscal, enquanto um conjunto de regras que norteiam o processo tributário nacional, não poderia se manter alheia à modernidade”, avaliam Frederico Bakkum e Raphael Castro, associados do Vieira Rezende Advogados.

Como detalham Swerts e Amaral, a reforma prevê, por exemplo, vedação à inscrição em dívida ativa de débitos constituídos com base em matéria contrária a precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou súmulas administrativas. Além disso, destacam, e disciplina o pedido de revisão de dívida inscrita, permitindo reanálise pelo poder público da legalidade da cobrança.

De acordo com Bakkum e Castro, a proposta de reforma do processo tributário pretende promover a aperfeiçoamento do próprio rito processual a ser observado quando do ajuizamento de ações de execução fiscal, para tornar esse processo mais simples, isonômico e célere “O texto prevê, inclusive, a execução extrajudicial de dívidas consideradas de pequeno valor”, ressaltam.

A seguir, Swerts, Amaral, Bakkum e Castro abordam outros aspectos da reforma da execução fiscal e comentam sobre as expectativas em torno da tramitação do PL no Congresso Nacional.


– A reforma do processo tributário está caminhando no Congresso. Por que essa reforma é necessária e o que se espera dela?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: Historicamente, as execuções fiscais são apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário. Segundo o “Justiça em Números”, relatório anual apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com os principais dados do Poder Judiciário, até o fim de 2023 os processos de execução fiscal representavam aproximadamente 59% das execuções pendentes, totalizando 26,4 milhões de processos em tramitação. Não bastasse o alto volume, essas execuções demoram muito tempo para serem solucionadas – em média, 7 anos e 9 meses.

O principal objetivo da reforma é aliviar o Judiciário ao racionalizar a cobrança dos débitos inscritos em dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações de direito público, especialmente os de pequeno valor, deslocando parte de seu procedimento para a esfera extrajudicial e administrativa.

Frederico Bakkum e Raphael Castro: A proposta de reforma do processo tributário tem origem na compreensão de que a norma processual tributária brasileira deveria acompanhar os conceitos de modernização, simplificação e eficiência atualmente exigidos pela sociedade e, especialmente, trazidos pelo Código de Processo Civil de 2015.

Diante de um cenário de constantes avanços tecnológicos – os quais, inclusive, permitiram ao Poder Judiciário avaliar a produtividade dos tribunais e ao ente público mensurar o grau de recuperabilidade do crédito tributário exigido na esfera judicial –, a Lei de Execução Fiscal, enquanto um conjunto de regras que norteiam o processo tributário nacional, não poderia se manter alheia à modernidade.

Nesse sentido, espera-se que a reforma proposta no Congresso Nacional possa trazer ritos processuais que sejam compatíveis com os novos paradigmas processuais, com o incentivo à redução da litigiosidade, à cooperação entre as partes e à cobrança de débitos de forma extrajudicial, prestigiando mais a verdade material, a ampla defesa, a eficiência.


O que o PL 2.488/22 traz de mudanças com relação à atual lei que rege as cobranças por parte dos fiscos?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: O PL veda a inscrição em dívida ativa de débitos constituídos com base em matéria contrária a precedentes vinculantes do STF e do STJ ou súmulas administrativas e disciplina o pedido de revisão de dívida inscrita, permitindo reanálise pelo Poder Público da legalidade da cobrança.

No âmbito extrajudicial, prevê a possibilidade de oferta antecipada de garantia pelo devedor por meio de seguro garantia ou fiança bancária. Também estabelece procedimento de execução extrajudicial de dívida de pequeno valor possibilitando à Fazenda Pública a desistência das execuções judiciais em curso para demandar os créditos correlatos por meio de protesto, negativação em órgãos e cadastros relativos a consumidores, dentre outros.

No âmbito judicial, traz alterações relevantes para a defesa do executado na execução fiscal judicial, como a possibilidade de alegação de compensação prévia como matéria de defesa nos embargos à execução; a previsão de ressarcimento, pela Fazenda Pública, das despesas decorrentes de contratação de garantia, quando reconhecida a nulidade do crédito tributário; e a necessidade de instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica para redirecionamento da execução fiscal em desfavor de sócios por dívida tributária das empresas, dentre outras mudanças. Além disso, há previsão expressa de possibilidade de apresentação, pelo contribuinte, de depósito judicial antes da propositura de execução judicial, com a necessidade de ajuizamento da respectiva ação anulatória no prazo de 30 dias, para que os valores não sejam convertidos em renda para pagamento definitivo do crédito tributário.

Por fim, destaque importante é a previsão no PL de dispensa de ajuizamento de execução fiscal judicial na hipótese em que não forem localizados bens ou direitos em nome do contribuinte.

Frederico Bakkum e Raphael Castro: Incentivada pelas alterações trazidas com a reforma tributária, a reforma do processo tributário tem como objetivo normatizar/uniformizar o processo tributário no âmbito de todos os entes públicos, trazendo, dentre as principais alterações, o incentivo ao efetivo exercício do controle de legalidade dos débitos quando da inscrição em dívida ativa; o estímulo à cooperação entre as partes com o objetivo de obter a satisfação do crédito de forma ágil e eficiente; e, a adoção de medidas extrajudiciais e até prévias ao ajuizamento de execução fiscal.

Além disso, essa proposta de reforma do processo tributário pretende promover a aperfeiçoamento do próprio rito processual a ser observado quando do ajuizamento de ações de execução fiscal, com vistas a tornar esse processo mais simples, isonômico e célere – prevendo, inclusive, a execução extrajudicial de dívidas consideradas de pequeno valor.


Quais são os aspectos positivos e negativos do PL 2.488/22? Há pontos que precisam ser aprimorados?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: O PL tenta resolver diretamente problemas importantes das execuções fiscais. Atualmente há um contencioso relevante constituído por execuções fiscais ajuizadas para cobrança de valores ínfimos, que “não se pagam”. Ou seja, o Estado acaba gastando mais dinheiro com o ajuizamento da execução fiscal (e sua manutenção) do que receberá ao final com a eventual satisfação do crédito.

Além disso, a possibilidade de oferecimento antecipado de garantia, como já ocorre hoje com os débitos federais inscritos em dívida ativa e em alguns estados, desafoga o Judiciário em razão de não ser necessário ajuizamento de ações cautelares com a apresentação de caução visando à emissão da Certidão de Regularidade Fiscal.

Por fim, muitas execuções fiscais hoje estão “paradas” (suspensas) por não terem sido encontrados bens dos devedores. Esses processos ficam em um limbo até a superveniência da prescrição intercorrente.

Todos esses são temas são muito debatidos no Judiciário, chegando inclusive às cortes superiores (Tema 566/STJ e Tema 1.184/STF, por exemplo), sendo muito interessante que o PL os tenha enfrentado de maneira expressa.

Por outro lado, o PL perdeu a oportunidade de modernizar alguns aspectos da execução fiscal, seguindo o que foi feito para a execução civil pelo Código de Processo Civil de 2015 – como, por exemplo, a previsão expressa de equiparação da fiança bancária e do seguro garantia ao dinheiro (depósito judicial) e a possibilidade de oposição de Embargos à execução sem apresentação de garantia. 

Frederico Bakkum e Raphael Castro: Entendemos que os pontos positivos do PL 2.488/22 superam os negativos, visto que essa reforma terá como efeito a modernização do processo tributário brasileiro ao privilegiar o controle da legalidade dos débitos inscritos em dívida ativa, estabelecer as ferramentas jurídicas necessárias à aplicação/observância, pelas Procuradorias de Fazenda Pública, das decisões judiciais proferidas em sede de repercussão geral e recurso repetitivo, e, sobretudo, estimular a adoção de medidas extrajudiciais que visem a satisfação do crédito tributário.

Outro destaque positivo é que o PL 2.488/22 foi resultado de um amplo debate prévio promovido com o apoio de um grupo de trabalho formado por juristas com vasto histórico de atuação na área tributária.

Como ponto negativo, a Lei de Execução Fiscal atualmente vigente é incapaz de reduzir a litigiosidade. Afinal, hoje as execuções fiscais são responsáveis por parte considerável do estoque de processos que congestionam o Poder Judiciário. Nesse sentido, a eficácia dessa reforma do processo tributário passa pela capacidade de impedir que as execuções fiscais sigam sendo uma das principais causadoras da morosidade da Justiça.

Na proposta, um dos pontos que chama atenção é a falta de atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução, mesmo sendo a garantia do juízo um requisito para admissão da peça de defesa. A proposta mantém a norma que condiciona a atribuição de efeito suspensivo ao deferimento de tutela pelo juízo, o que pode gerar insegurança e não contribuir para a redução da litigiosidade. Ainda nessa linha, também sentimos falta de dispositivos dando maior destaque à figura da exceção de pré-executividade, que é um importantíssimo instrumento de defesa, com grande potencial para diminuir a litigância.

Outro ponto de atenção será a efetiva implementação das cobranças administrativas. Como se trata de um procedimento novo, será importante acompanhar de perto para evitar abusos e garantir que os contribuintes não sejam prejudicados.


– Em sua visão, no atual estágio, o PL 2.488/22 atingiria a finalidade de reduzir o contencioso, aumentar a colaboração entre fisco e contribuintes e aumentar a efetividade das cobranças por parte do Estado? 

Júlia Swerts e Nathan Amaral: O PL 2.488/22 é parte de uma proposta de reforma estrutural no contencioso administrativo e judicial tributário. A comissão de juristas responsável por sua elaboração enviou outros nove projetos de lei ao Senado Federal, que propõem mudanças relevantes para modernização do contencioso tributário, que seguramente contribuiriam, na forma como foram redigidos, para reduzir os litígios entre fisco e contribuinte.

Contudo, os projetos ainda estão em tramitação (em sua maioria) e devem sofrer alterações. Especificamente, foram apresentadas recentemente várias propostas de emenda ao PL 2.488/22 – pelo que, por enquanto, resta aguardar.

Nesse meio tempo, o ideal é que os estados e os municípios sigam o caminho traçado pela União, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pelo CNJ, que vêm fazendo um esforço para promover a transação tributária (Lei 13.988/20) e o ajuizamento seletivo de execuções fiscais (Portaria PGFN nº 33/2018 e Resolução CNJ nº 547/2024).

Frederico Bakkum e Raphael Castro: Tudo dependerá da reação prática das partes envolvidas no contencioso tributário: fazendas públicas, contribuintes e Poder Judiciário. É necessário confirmar todos os mecanismos de resolução extrajudicial que serão previstos e como serão efetivamente implementados.

Se, por um lado, existe uma evidente preocupação do legislador em assegurar que essa reforma do processo tributário possa estimular uma significativa redução da litigiosidade, por outro, o sucesso dessa pretensão demanda que as partes (as fazendas públicas, os contribuintes e o Poder judiciário) estejam efetivamente imbuídos desse espírito de cooperação. Isso significa, sob o viés dos contribuintes, maior eficácia das formas de defesa judicial e administrativa, com a garantia de acesso à Justiça, bem como a existência efetiva de estímulos à quitação amigável dos débitos, versus a possibilidade de prosseguir com a discussão da cobrança na esfera judicial.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.