As esferas da empresa familiar: propriedade, família e gestão

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Empresas familiares podem ser frágeis ou resilientes a depender não apenas de sua atuação operacional e estratégica no seu mercado de atuação, mas principalmente de como os diversos envolvidos em seu sistema de governança corporativa se alinham e lidam com os desafios e conflitos que possam surgir. 

Em resumo, podemos organizar o sistema da empresa familiar em três subsistemas independentes, mas parcialmente sobrepostos: propriedade, gestão e família¹:

No círculo da propriedade, encontramos todas as pessoas físicas e jurídicas que já detêm participação acionária na empresa, seja esta participação majoritária, minoritária, vinculada ou não a um acordo de acionistas. São essas pessoas que fazem jus aos dividendos e delas depende a aprovação para as matérias mais relevantes previstas na Lei das Sociedades por Ações (Lei das S.As.).

Já no círculo da gestão, temos todos os administradores e empregados. Essa condição, diferentemente da propriedade, não é consequência direta da sucessão — apesar de, na prática, muitas vezes com ela se confundir. 

O círculo da família, por sua vez, compreende todas as pessoas que fazem parte da família empresária. Nesse círculo, estão os familiares que são ou não acionistas (ou que podem vir a sê-lo no futuro) e aqueles que atuam ou não na gestão da empresa. 

Ao definirmos a localização de cada pessoa no sistema, conseguimos identificar de forma objetiva as diferentes perspectivas, preocupações, dilemas, incentivos, prioridades, limites e dinâmicas dentro do universo da empresa familiar. 

Não há um ponto de vista certo ou errado. Esse modelo proporciona uma visão neutra da situação, possibilitando mitigar potenciais conflitos entre diferentes grupos. Além disso, ajuda a identificar a origem e a razão dos problemas, bem como a traçar possíveis soluções para impasses. 

Por exemplo: um irmão A, sócio membro da família e sem cargo na empresa, pode entrar em conflito com o irmão B, sócio membro da família e que trabalha na empresa, por acreditar que os dividendos distribuídos foram abaixo de suas expectativas, sem representar um retorno razoável para seu investimento. Por outro lado, o irmão B pode não entender a frustração do irmão A e acreditar que a distribuição foi justa, justificando a retenção de lucros com um possível reinvestimento em expansão. 

Com a aplicação do modelo, é evidente a diferença na posição de cada um dos irmãos e, portanto, mais fácil de entender as preocupações individuais. Cada membro do sistema possui um interesse legítimo e todos devem ser respeitados, acolhidos e incluídos da melhor forma possível nas decisões, regras e políticas da empresa.   

Além da questão da destinação de lucros, alguns temas sensíveis que tomam destaque se referem a:

  • preparação e sucessão de acionistas;
  • sucessão da liderança, que muitas vezes é concentrada no fundador na primeira geração, cuja substituição pode ocorrer de forma gradual ou abrupta;
  • idade de aposentadoria de administradores familiares;
  • escolha dos administradores (familiares e externos);
  • contratação de familiares;
  • apoio a familiares necessitados; 
  • mecanismos de saída para sócios familiares que não queiram permanecer na empresa. 

Cada empresa familiar é única. Em nossa atuação, analisamos a fundo suas particularidades para, em conjunto com os participantes, criarmos uma governança corporativa adequada. O melhor momento para se discutir e definir a governança corporativa é antes que ela realmente seja imprescindível. Antecipar, nesse caso, pode significar uma oportunidade valiosa de debater assuntos delicados, convergir os interesses e proporcionar o sincero comprometimento de todos com as regras definidas, de forma a evitar conflitos prejudiciais tanto para os negócios da empresa como para as próprias relações familiares.

Para o sucesso de uma empresa familiar, é essencial ter uma sólida união, alinhada aos valores fundamentais de onde a empresa quer chegar e como e o que deve ser feito para concretizar esse objetivo.

¹ O Modelo dos Três Círculos do Sistema de Empresa Familiar foi desenvolvido por Renato Tagiuri e John Davis na Harvard Business School e foi divulgado em documentos profissionais a partir de 1978. Foi publicado pela primeira vez na dissertação de doutorado de Davis – The Influence of Life Stages on Father-Son Work Relationships in Family Companies (Influência dos Estágios de Vida nas Relações de Trabalho entre Pai e Filho nas Empresas Familiares), em 1982. Em 1996, a publicação Family Business Review trouxe o clássico artigo de Tagiuri e Davis, “Bivalent Attributes of the Family Firm“.

Colaborou Camila Giovanelli, advogada do Carneiro de Oliveira Advogados

 

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