Arbitragem tributária pode ajudar a desafogar Judiciário

Em tramitação no Senado, PL 4.257/19 propõe alteração da Lei das Execuções Fiscais

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“Tribunal arbitral jugeant un conflit entre des ordres religieux”, Século 17, Autor desconhecido. Imagem retirada do livro “Tribunali arbitrali nel Medio Evo in Europa”.

A arbitragem tributária pode enfim se tornar uma realidade no Brasil. A adoção do mecanismo, já utilizado em países como Portugal, está prevista do Projeto de Lei (PL) 4.257/19, em tramitação no Senado. O texto, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) propõe alterações na antiga Lei 6.830/80, conhecida como Lei das Execuções Fiscais. A aprovação do PL representaria a instituição da execução fiscal em âmbito administrativo, uma alternativa à judicialização das contendas entre fisco e contribuintes.

Em disputas societárias, a arbitragem já é uma alternativa bastante usual no Brasil. A ferramenta permite que impasses sejam solucionados de forma mais simples e rápida, sem depender da via judicial. Para a área tributária, isso significaria uma nova opção para os contribuintes resolverem casos de débitos inscritos em dívida ativa e objetos de execução fiscal, assim como de ações consignatórias e anulatórias, desde que garantido o juízo por depósito, fiança ou seguro.

As execuções fiscais são historicamente um importante gargalo do Poder Judiciário brasileiro. Segundo dados do relatório “Justiça em Números” de 2019, o total de processos pendentes de execução fiscal no final de 2018 chegava a 31,1 milhões — o que representa cerca de 40% de todas as ações, de todos os tipos, sem solução nos tribunais até então. Nesse cenário, a arbitragem fiscal poderia contribuir para desafogar o Judiciário.

O PL prevê que os processos de arbitragem fiscal sejam direcionados a câmaras arbitrais já existentes. A escolha pela via arbitral seria feita pelo próprio contribuinte, que também ficaria encarregado da antecipação das despesas referentes ao processo — valor que não pode exceder o montante fixado a título de honorários advocatícios, limitados à metade do que seria definido em processo judicial.

A proposta, no entanto, carrega consigo alguns desafios. Se não for acompanhada de uma mudança no Código Tributário Nacional (CTN) — para incluir as previsões do texto expressamente no art. 156 —, a arbitragem tributária pode gerar insegurança jurídica e se inviabilizar na prática. A Lei da Arbitragem também pode representar um impasse: o crédito tributário, conforme o texto da lei, não está entre os litígios passíveis de aplicação da arbitragem por parte da administração pública.

O advogado Thiago Braichi, afiliado ao Legislação & Mercados, comenta algumas questões em relação à adoção da ferramenta.


Benefícios e riscos do mecanismo da arbitragem tributária

Quais os benefícios e riscos da adoção da arbitragem tributária no Brasil?

Entendo que a criação de câmaras arbitrais tributárias pode representar uma ferramenta relevante frente ao cenário de grande judicialização e consequente morosidade da resolução de questões tributárias. A adoção da arbitragem tributária pode levar à resolução de litígios tributários de modo mais efetivo e célere, gerando benefícios ao fisco e ao contribuinte.

A meu ver, não há dúvida de que os atuais mecanismos de discussão e cobrança de débitos tributários demonstram-se insuficientes diante do ordenamento jurídico vigente. Nesse contexto, a arbitragem seria ferramenta fundamental para auxiliar a arrecadação de tributos pelo Estado, ao mesmo tempo em que garantiria um potencial aumento da segurança jurídica e uma prestação jurisdicional eficaz para os contribuintes.

Contudo, a adoção da arbitragem demanda certas premissas, como a equidade das partes, que não podem ser simplesmente presumidas para a arbitragem tributária. Caso esse mecanismo [da arbitragem] seja realmente adotado para o âmbito tributário, é fundamental que haja regulamentação que assegure a igualdade do contribuinte perante a Fazenda Pública.

“A ideia de um tribunal arbitral que facilite a resolução das disputas entre fisco e contribuintes se mostra muito favorável para os contribuintes, que passariam a ter alternativas ao Judiciário e aos tribunais administrativos.”

– Bernardo Freitas –

Lei da Arbitragem e Código Tributário Nacional como entraves

O Projeto de Lei 4.257/19 pode encontrar entraves na Lei da Arbitragem e no Código Tributário Nacional? Quais seriam essas barreiras?

O PL 4.257/19 altera a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80) com o objetivo de permitir a resolução de litígios por meio da arbitragem tributária em hipóteses de débitos inscritos em dívida ativa e objetos de execução fiscal, assim como de ação consignatória e anulatória de débito fiscal.

A instituição da arbitragem desacompanhada de mudança no Código Tributário Nacional, que só pode ser alterado por meio de lei complementar, é problemática pelas causas de extinção do crédito tributário que estão previstas de forma taxativa no art. 156 do CTN. Na redação do dispositivo, como é de se imaginar, não há referência à sentença arbitral e, portanto, sob o aspecto legal não é possível concluir, de pronto, que o débito seria extinto pela arbitragem.

Apesar da previsão de equiparação da sentença arbitral à sentença judicial, para garantir ao contribuinte segurança jurídica na escolha pelo procedimento arbitral, entendo que seria fundamental uma alteração normativa para prever expressamente a inclusão da sentença arbitral no rol do art. 156 do CTN.

Outro possível entrave normativo diz respeito à possibilidade de aplicação da arbitragem a litígios envolvendo a administração pública. A Lei da Arbitragem permite que a administração pública utilize a arbitragem para “dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais”, mas não vejo o crédito tributário como um direito disponível, ou seja, passível de livre renúncia pelo fisco.

Apesar de visualizar a instituição da arbitragem tributária como um facilitador para o contribuinte, os efeitos serão negativos se o contribuinte puder ser questionado posteriormente por vício legal da redação da lei. Logo, entendo que o maior desafio do PL proposto pelo senador Anastasia está diretamente vinculado à compatibilização do projeto à legislação já vigente.


Desafios da arbitragem tributária no Brasil

Quais desafios, na prática, a adoção desse mecanismo pode enfrentar?

O principal entrave à aplicação diz respeito à indisponibilidade do crédito tributário em razão do interesse público vinculado à arrecadação estatal e a consequente insegurança jurídica que isso acarreta ao contribuinte. Apesar de acreditar que a arbitragem em matéria tributária seja perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico vigente, entendo que a lei específica sobre o assunto precisa ser repensada de forma mais prática e condizente com a Lei de Arbitragem e o CTN.

Minha preocupação é que o instituto, apesar de bem pensado, se torne algo incompatível com a realidade dos contribuintes. Ou seja, apesar da publicação da lei, o contribuinte continuar recorrendo ao Judiciário para obter a segurança jurídica em suas demandas.


Benefícios práticos da arbitragem tributária constante do PL 4.257/19

O PL representa reais benefícios para os contribuintes ou é mais pensada para o âmbito administrativo?

A utilização da arbitragem tributária, em si, pode gerar um grande benefício para os contribuintes. Atualmente, dois dos maiores desafios enfrentados pelas empresas são a alta carga tributária e a insegurança jurídica na cobrança dos tributos por parte da administração pública. A ideia de um tribunal arbitral que facilite a resolução das disputas entre fisco e contribuintes se mostra muito favorável para os contribuintes, que passariam a ter alternativas ao Judiciário e aos tribunais administrativos.

Entretanto, ao analisar o capítulo do PL que trata da execução extrajudicial da dívida ativa, passo a me questionar não sobre a medida em si, mas sobre a forma como poderá ser operacionalizada.

Além dos pontos já colocados sobre a segurança jurídica e as limitações do CTN e da Lei de Arbitragem, preocupo-me com a regulamentação dessa medida pela Fazenda Pública. A minuta inicial do PL não tem mecanismos práticos e efetivos para garantir ao contribuinte um local de igualdade frente ao fisco nas discussões, como ocorre com a arbitragem cível.

Caso os mecanismos propostos não se ajustem à realidade desigual das partes (administração pública e contribuinte), reforço que existe a possibilidade de que a legislação se torne algo incompatível com a realidade dos contribuintes e, portanto, ineficaz.


Contribuição da arbitragem tributária para o desafogamento do Judiciário

A adoção da arbitragem tributária poderia, de fato, contribuir para o desafogamento do Judiciário?

Na teoria, a arbitragem tributária, se aplicada como forma alternativa à Justiça para solução de litígios, poderá representar uma resposta adequada ao grande acúmulo de processos que enfrenta o Judiciário brasileiro. No entanto, não é esse seu principal objetivo e não parece ser também o objetivo do PL 4.257/19.

Os embargos à execução fiscal, por exemplo, poderão ser objeto de arbitragem tributária. Contudo, a fase da execução fiscal não será obrigatoriamente realizada fora do Poder Judiciário. Ou seja, a decisão de mérito sobre a possibilidade da cobrança do crédito tributário não será feita no Judiciário, mas ainda assim será necessário o trâmite parcial pela via judicial.

A meu ver, isso demonstra que a implementação da arbitragem tributária tem como premissa a busca pela celeridade e eficiência do procedimento fiscal. Mas não concluo, de antemão, que se trata de método capaz de solucionar o abarrotamento do Judiciário, apesar de contribuir sim para o desafogamento.

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