Aprimoramento de regulamentação da Reforma Tributária está nas mãos do Senado

Projeto de Lei Complementar 68/24, aprovado pela Câmara dos Deputados, foi bastante modificado em relação ao texto original

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Aprovado em junho na Câmara dos Deputados, o primeiro Projeto de Lei Complementar (PLP 68/24) que regulamenta a Reforma Tributária ainda precisará passar pelo Senado Federal, e a expectativa é que o texto passe por novas modificações. O próprio texto aprovado pela Câmara sofreu alterações importantes em relação ao PLP 68/24 apresentado pelo governo.

“Houve mudanças consideráveis entre o texto apresentado pelo governo e aquele aprovado pela Câmara dos Deputados”, avaliam Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados. Elas citam aquelas que consideram como as principais alterações: as operações envolvendo os chamados fantasy games e os concursos de prognóstico foram incluídos no rol de produtos e serviços que vão pagar o Imposto Seletivo (IS); a inclusão de proteínas animais na redução de 100% da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – antes, elas teriam desconto de 60%; a redução da alíquota máxima que vai incidir nas operações com bens minerais extraídos (de 1% para 0,25%) e a concessão de isenção aos absorventes, anteriormente tributados com redução de 60% da alíquota padrão.

“Considerando a quantidade relevante de alterações, nos parece que a configuração do sistema tributário foi aprimorada em alguns aspectos e prejudicada em relação a outros”, avaliam Rosa e Laranjeira – por isso, caberá agora ao Senado aprimorar o texto.

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira, associadas do Freitas Ferraz Advogados, consideram que há diversos pontos que não foram suficientemente esclarecidos e debatidos durante a tramitação do PLP 68/24 na Câmara dos Deputados, e que poderão ser aprimorados no Senado Federal.  “Dentre eles, vale mencionar a responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IBS e da CBS quando o fornecedor for residente ou domiciliado no exterior, ou, quando estabelecido no país, não estiver inscrito como contribuinte e não emitir documento fiscal para operação.”

Mas há também a trava na alíquota do IBS e da CBS, avaliam as advogadas do Freitas Ferraz – isso porque foi aprovado um limite máximo para que a  alíquota média do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, formado pelo IBS e pela CBS,  fique em 26,5% e um mecanismo para que o imposto volte para esse percentual, caso seja extrapolado. “Ao prever a possibilidade de limitação da alíquota total do IBS e da CBS em 26,5% a partir de 2032 (artigo 465), o PLP aprovado na Câmara dos Deputados previu critérios pouco objetivos para a avaliação quinquenal da arrecadação dos novos tributos entre 2026 e 2032, incluindo “o impacto da legislação do IBS e da CBS na promoção da igualdade entre homens e mulheres e étnico-racial” – o que pode afetar a efetividade dos critérios estabelecidos.”

O PLP 108/24

Tramita ainda na Câmara o Projeto de Lei Complementar 108/24 (PLP 108/24) , que também vai regulamentar parte da Reforma Tributária (Emenda Constitucional 132/23) – o foco deste último está nas regras para o funcionamento do Comitê Gestor do IBS. Caberá ao Comitê, dentre outros pontos, tratar da fiscalização, cobrança, arrecadação, e distribuição do IBS arrecadado para os estados, o Distrito Federal e os municípios. Embora o PLP 108/24 seja considerado menos complexo do que o PLP 68/24, ele também traz pontos que estão gerando discussão, como o momento para o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e questões relacionadas ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

As advogadas do Vieira Rezende lembram que, mesmo após aprovado pelo Senado Federal e sancionado pela presidência da República, o processo de regulamentação da Reforma Tributária não estará encerrado: “A regulamentação também dependerá da aprovação de outras leis – como as leis ordinárias a que se refere o PLP 68/24 para estabelecimento de alíquotas do IS e regramentos complementares de operacionalização da nova sistemática tributária – as quais deverão ser apresentadas apenas após a aprovação final e sanção do PLP.”

Na entrevista abaixo, as advogadas do Vieira Rezende e do Freitas Ferraz abordam pontos relacionados à regulamentação da Reforma Tributária.


Em meados de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de regulamentação da reforma tributária. O que significa a regulamentação em um processo como o da reforma no sistema de tributos no País?

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Embora a Constituição Federal brasileira seja consideravelmente detalhista em relação às regras aplicáveis à tributação e ao orçamento, ela define que caberá à “lei complementar” (artigo 146), dentre outras funções, o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente no que tange à definição dos tributos, seus fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes, regimes especiais, dentre outros regramentos essenciais à composição da regra matriz de incidência tributária.

Nesse sentido, a principal regulamentação da reforma – em curso por meio do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 (PLP 68/24) – possui grande relevância jurídica, na medida em que a Lei Complementar aprovada estabelecerá aspectos relativos à sujeição passiva da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Imposto Seletivo (IS), os bens e serviços sobre os quais estes novos tributos incidirão, os aspectos quantitativos que formarão a carga tributária a ser aplicada, questões relacionadas aos mecanismos de apuração e controle a serem utilizados, bem como as situações a serem excepcionadas das respectivas cobranças – tal como a concessão de benefícios e incentivos fiscais.

Essa etapa da reforma tributária é particularmente delicada, na medida em que diversos setores da economia buscam preservar seus interesses e garantir uma tributação justa e eficiente. Portanto, há necessidade de sinergia e diálogo constante entre o Congresso, os aplicadores do direito, os diversos setores da economia e a sociedade, a fim de que os múltiplos interesses sejam acomodados e atendidos simultaneamente à preservação dos objetivos, valores e princípios da reforma.

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: Grande parte das alterações introduzidas pela Reforma Tributária do Consumo (Emenda Constitucional 132/2023) depende de regulamentação por meio de leis complementares, em especial no que se refere à extinção de 5 tributos (IPI, Pis, Cofins, ICMS e ISS) e à criação de 3 novos (IBS, CBS e Imposto Seletivo). Isso ocorre porque a nossa Constituição deixa a cargo da lei complementar a definição de normas gerais em matéria tributária, o que inclui a determinação dos fatos geradores e das bases de cálculo desses novos tributos, bem como o período de transição que permitirá a adaptação do fisco e dos contribuintes ao novo sistema.

Os Projetos de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 e nº 108/2024 formam o conjunto de textos que regulamentam a Reforma Tributária do Consumo. O PLP nº 68/2024 – responsável por instituir o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo – já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado para o Senado Federal, onde aguarda a apreciação dos Senadores desde o dia 22 de julho. Por sua vez, o PLP nº 108/2024 – que institui o Comitê Gestor do IBS, dispõe sobre o processo administrativo tributário, define a forma de distribuição do produto da arrecadação do IBS e regulamenta o ITCMD – está em tramitação na Câmara dos Deputados atualmente.


– Houve mudanças em relação ao que foi apresentado pelo Executivo? Quais as mais relevantes, na sua opinião?

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Houve mudanças consideráveis entre o texto apresentado pelo governo e aquele aprovado pela Câmara dos Deputados. Dentre as principais alterações, destacamos as seguintes:

  • inclusão, no rol de incidência do IS, das operações envolvendo os chamados fantasy games; e os concursos de prognóstico;
  • em relação à cesta básica – cujos itens estão sujeitos à redução de 100% das alíquotas de IBS e CBS – foram adicionadas as proteínas animais, que anteriormente estavam sujeitas à redução de apenas 60% das mesmas alíquotas;
  • Bens minerais: a previsão de alíquota máxima nas operações com bens minerais extraídos passou de 1% para 0,25%; e
  • a concessão de isenção aos absorventes, anteriormente tributados com redução de 60% da alíquota padrão.

Importante destacar que outras mudanças no texto do PLP 68/24 ainda poderão ser aprovadas pelo Senado Federal.

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: O texto do PLP nº 68/2024 foi aprovado pela Câmara dos Deputados com diversas alterações em relação ao texto originalmente apresentado pelo Poder Executivo em abril de 2024, dentre as quais destacamos quatro:

  • Quanto ao fato gerador do IBS e da CBS, a Câmara alterou a previsão de que os novos tributos incidem sobre a “doação com contraprestação em benefício do doador” (em substituição à “doação onerosa”, como previsto originalmente), incluiu a previsão de que incidem sobre “transmissões, pelo contribuinte, para sócio ou acionista que não seja contribuinte no regime regular, por devolução de capital, dividendos in natura ou de outra forma, de bens cuja aquisição tenha permitido a apropriação de créditos pelo contribuinte“, e excluiu a previsão de que incidem sobre “doação por contribuinte para parte relacionada”.
  • Com relação à trava na alíquota do IBS e da CBS, a Câmara estabeleceu a obrigação de envio, em 2031, de um PLP ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo diminuindo os benefícios de alíquota reduzida, caso a projeção de alíquota referência do IBS e da CBS ao final do período de transição seja superior a 26,5%.
  • No que se refere ao mecanismo de cashback, o texto aprovado na Câmara dos Deputados ampliou as hipóteses e os percentuais de cashback para famílias de baixa renda, passando de 50% para 100% em relação à CBS energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
  • Quanto ao Imposto Seletivo, na lista de bens sobre os quais o imposto incidirá, foram incluídos concursos de prognóstico, fantasy sport e carros elétricos, e excluídos os caminhões. Segundo o grupo de trabalho formado na Câmara dos Deputados, em relação aos veículos, deverá haver uma graduação de alíquotas do Imposto Seletivo pela lei ordinária de acordo com requisitos como a potência de veículo, a eficiência energética, o desempenho estrutural e tecnológico, a pegada de carbono, a possibilidade de reciclagem dos materiais, dentre outros.

– Na sua avaliação, a configuração do sistema tributário com o texto aprovado pelos deputados federais melhorou, ficou igual ou piorou em relação ao que vinha sendo discutido? Por quê?

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Considerando a quantidade relevante de alterações, nos parece que a configuração do sistema tributário foi aprimorada em alguns aspectos e prejudicada em relação a outros. Da mesma forma, alguns pontos que, em nosso entendimento, mereceriam ser ajustados, ainda permaneceram inalterados, sendo esta a razão pela qual a avaliação do texto a ser realizada pelo Senado Federal ainda poderá ganhar relevante expressão para fins de garantir o aprimoramento do texto normativo apresentado.

Não obstante, outras repercussões apenas serão passíveis de ser aferidas em momento após implementação da reforma. Como exemplo, será necessário observar, por exemplo, se o IS, uma vez esteja sendo cobrado, atenderá ao fim para o qual parece ter sido criado – desestímulo ao consumo de bens e serviços danosos à saúde e ao meio ambiente.

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: Entendemos que há diversos pontos que não foram suficientemente endereçados durante a tramitação do PLP nº 68/2024 na Câmara dos Deputados, e que poderão ser aprimorados no Senado Federal. Dentre eles, vale mencionar a responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IBS e da CBS quando o fornecedor for residente ou domiciliado no exterior, ou, quando estabelecido no país, não estiver inscrito como contribuinte e não emitir documento fiscal para operação.

Com relação a esse tema, um primeiro ponto a ser endereçado é a definição do papel da plataforma digital quando atuar em nome de um fornecedor estrangeiro que esteja registrado como contribuinte do IBS e da CBS (artigo 21 do PLP nº 68/2024). Isso porque o PLP estabelece que a responsabilidade da plataforma seria exclusiva (artigo 23, inciso I) – o que parece entrar em conflito com a submissão do fornecedor estrangeiro às obrigações principal e acessória relativas ao IBS e à CBS. Além disso, o PLP dispõe que o Comitê Gestor e a Receita Federal informarão à plataforma digital a condição de contribuinte do fornecedor, mas não esclarece se a plataforma será responsável pelos tributos somente quanto às operações dos fornecedores indicados pelo Comitê e pela Receita.

Outro ponto a ser aprimorado durante a tramitação no Senado é questão da trava na alíquota do IBS e da CBS. Ao prever a possibilidade de limitação da alíquota total do IBS e da CBS em 26,5% a partir de 2032 (artigo 465), o PLP aprovado na Câmara dos Deputados previu critérios pouco objetivos para a avaliação quinquenal da arrecadação dos novos tributos entre 2026 e 2032, incluindo “o impacto da legislação do IBS e da CBS na promoção da igualdade entre homens e mulheres e étnico-racial” – o que pode afetar a efetividade dos critérios estabelecidos.


  – Qual é, a partir de agora, o caminho da reforma tributária até a sua efetiva implementação?

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Em relação ao PLP 68/24, o próximo passo é a análise do texto pelo Senado Federal. Caso os senadores concluam a votação pela aprovação do projeto, esta casa enviará o PLP ao presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

A regulamentação também dependerá da aprovação de outras leis – como as leis ordinárias a que se refere o PLP 68/24 para estabelecimento de alíquotas do IS e regramentos complementares de operacionalização da nova sistemática tributária – as quais deverão ser apresentadas apenas após a aprovação final e sanção do PLP.

Lígia Merlo e Anna Flávia Moreira: A Reforma Tributária do Consumo ainda possui um longo caminho a ser percorrido até sua completa implementação. Ainda tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei complementar para regulamentação da Reforma (PLP nº 68/2024 e o PLP nº 108/2024).

Mesmo após a aprovação do PLP nº 68/2024 na Câmara dos Deputados, este ainda será analisado pelo Senado Federal e, caso esta última casa proponha alterações em sua redação atual, o texto deverá ser reavaliado pela Câmara dos Deputados. Além disso, após a aprovação das leis complementares necessárias para a completa regulamentação da Reforma Tributária, haverá ainda um período de transição para a aplicação integral do novo sistema (artigos 125 a 133 das Disposições Constitucionais Transitórias). O período de transição se iniciará em 2026, com o aumento progressivo das alíquotas do IBS e da CBS e a redução proporcional das alíquotas dos demais tributos até a completa extinção do ICMS e ISS em 2033.


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1 comentário
  1. Evelynn Hot Diz

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