A polêmica em torno dos planos de saúde

Reforma Tributária altera totalmente sistema atual e proíbe abatimento de despesas

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Um dos pontos mais polêmicos da regulamentação da Reforma Tributária sobre o consumo diz respeito à mudança dada às despesas que as empresas têm ao oferecer planos de saúde para seus funcionários. A proposta de regulamentação (Projeto de Lei Complementar 68/24) impede que as empresas considerem os planos de saúde como despesas operacionais e, consequentemente, que reduzam os pagamentos feitos aos planos da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

“De acordo com o texto atual da reforma, não será possível recuperar os gastos com planos de saúde por meio do creditamento ou abatimento das despesas. Com isso, é possível defender que fica maculada a intenção inicial da reforma que era a de garantir a não-cumulatividade plena”, afirmam Mariana Longo e Priscila Alves, associadas do Vieira Rezende Advogados. A não-cumulatividade plena é um dos objetivos da Reforma. A intenção é que, por meio de um sistema de créditos que possam ser integralmente utilizados pelo contribuinte, este só arque com tributos referentes ao valor que agregou em determinada etapa produtiva, evitando os impostos em cascata.

Associadas do Freitas Ferraz Advogados, Anna Flávia Silva e Marina Guimarães explicam que a alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) será reduzida em 60% sobre o valor dos planos de saúde (artigo 220 do PLP 68/24). “Fica também vedado o crédito desses tributos para os adquirentes dos planos (artigo 221) – esta previsão altera totalmente o que temos na legislação e no entendimento tributário atual.”

Além disso, elas lembram que também há previsão de exigência de IBS e CBS sobre o fornecimento não oneroso (ou a valor inferior ao de mercado) de bens e serviços para uso e consumo pessoal de pessoas físicas – muitas empresas costumam oferecer os planos sem exigir contrapartidas ou coparticipação dos funcionários. Elas explicam que as pessoas jurídicas pagarão o IBS e a CBS sobre a contratação dos planos de saúde corporativo de funcionários, não poderão deduzir os tributos gastos com esses planos, e ainda sobre esse mesmo valor terão que tributar novamente – agora com a alíquota “cheia” – quando os planos forem oferecidos gratuitamente ou a valor reduzido para seus empregados. “Por esse motivo, há quem argumente que há uma dupla tributação de IBS e CBS sobre o mesmo serviço, onerando consideravelmente o fornecimento de planos de saúde pelas sociedades.”

A polêmica envolvendo a tributação de planos de saúde 

Para Silva e Guimarães, a mudança pode ter efeitos negativos: “Em nosso entendimento, esse tipo de medida desestimula que as empresas ofereçam os planos de saúde corporativos, impactando não apenas os funcionários, mas também as próprias seguradoras de saúde e possivelmente trazendo sobrecarga para o Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos em que houver cancelamento por completo dos planos. Ou seja, pessoas que antes conseguiam ser atendidas na rede privada passarão a precisar utilizar o sistema público para suas demandas de saúde. Essa é uma medida polêmica que deve ser acompanhada nas discussões do PLP 68/24 no Congresso Nacional.”

Conforme publicado na Folha de São Paulo, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernardo Appy, afirmou que a vedação ao creditamento das despesas com plano de saúde por parte de empresas que operam pelo lucro real é uma questão de neutralidade, já que hoje existe uma vantagem competitiva para os planos coletivos por conta da possibilidade de dedução (inexistente para pessoas físicas e mesmo para empresas do lucro presumido). Estas continuarão podendo deduzir seguros  contra acidentes de trabalho necessários à atividade produtiva. Os planos de saúde, por sua vez, serão incluídos nos regimes diferenciados previstos pela Reforma, que contam com redução na alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Na entrevista abaixo, as advogadas do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende abordam a polêmica tributação dos planos de saúde.


– Atualmente, como funciona o tratamento tributário dado aos planos de saúde que as empresas oferecem para seus funcionários? Como é feito o abatimento dessa despesa?

Mariana Longo e Priscila Alves: Na atual sistemática, as empresas que contratam planos de saúde para oferecimento aos seus funcionários podem classificar essas despesas como sendo operacionais e assim reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.  Além disso, a Lei. 8.212/91 prevê que não incide a contribuição previdenciária sobre tais verbas, vez não integram o salário de contribuição.

Anna Flávia Silva e Marina Guimarães: Os gastos incorridos pelas empresas com planos de saúde coletivos – isto é, planos destinados a seus empregados e dirigentes – são considerados como despesas operacionais pela legislação tributária, desde que os recursos despendidos pelas empresas sejam devidamente comprovados (há previsão diretamente no artigo 372 do Decreto nº 9.580/2018 e no artigo 134 da IN RFB nº 1.700/2017).

Consequentemente, esses gastos podem ser abatidos (deduzidos) da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), reduzindo o montante a ser pago a título desses tributos. Portanto, essas despesas são aproveitadas pelas pessoas jurídicas empregadoras para redução do valor tributável em razão da diminuição do lucro (base de cálculo do IRPJ e da CSLL) pela assunção de uma despesa.


– Há outras despesas, fora o plano de saúde, que recebem o mesmo tratamento?

Mariana Longo e Priscila Alves: Benefícios previdenciários privados custeados pela empresa e seguros de vida são exemplos de despesas que podem ser classificadas como despesas operacionais para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Anna Flávia Silva e Marina Guimarães: Na apuração do lucro real, todas as despesas necessárias às atividades da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (artigo 47 da Lei nº 4.506/1964) devem ser dedutíveis. Em regra, para que uma despesa tenha essa classificação (de dedutível), deverá ser analisada sobre o viés de necessidade, usualidade e normalidade para as atividades da sociedade.

A título de exemplo, destacamos algumas despesas vinculadas aos colaboradores que também podem ser dedutíveis:

(i) as importâncias destinadas a constituir provisão para pagamento de remunerações correspondentes a férias e 13º salário de seus empregados;

(ii) os depósitos em conta vinculada ao FGTS;

(iii) as participações atribuídas aos empregados nos lucros ou resultados;

(iv) os gastos incorridos com a formação profissional de empregados;

(v) os gastos incorridos na concessão de vale-transporte e vale-cultura.

Ou seja, além das despesas com plano de saúde, a legislação tributária vigente também permite que outras despesas vinculadas aos empregados reduzam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.


– O que o PL 68/24 (regulamentação da Reforma Tributária sobre o consumo) mudará com relação a essa sistemática?

Mariana Longo e Priscila Alves: De acordo com o texto atual da reforma, não será possível recuperar os gastos com planos de saúde por meio do creditamento ou abatimento das despesas. Com isso, é possível defender que fica maculada a intenção inicial da reforma que era a de garantir a não cumulatividade plena.

Anna Flávia Silva e Marina Guimarães: Caso aprovado com a redação atual, o PLP nº 68/2024 prevê que a alíquota de IBS e CBS será reduzida em 60% sobre o valor dos planos de saúde (artigo 220). Fica também vedado o crédito desses tributos para os adquirentes dos planos (artigo 221) – esta previsão altera totalmente o que temos na legislação e no entendimento tributário atual.

Além disso, também há previsão de exigência de IBS e CBS sobre o fornecimento não oneroso (ou a valor inferior ao de mercado) de bens e serviços para uso e consumo pessoal de pessoas físicas. Dentre os serviços fornecidos listados, constam os planos de assistência à saúde. Ou seja, além da impossibilidade de dedução dos valores assumidos pela sociedade empregadora, também é possível que seja exigido IBS e CBS caso a sociedade forneça o plano de saúde diretamente para seus empregados por valor irrisório ou gratuito.

Dessa forma, as pessoas jurídicas pagarão o IBS e a CBS sobre a contratação dos planos de saúde corporativo de funcionários, não poderão deduzir os tributos gastos com esses planos, e ainda sobre esse mesmo valor terão que tributar novamente – agora com a alíquota “cheia” – quando os planos forem oferecidos gratuitamente ou a valor reduzido para seus empregados. Por esse motivo, há quem argumente que há uma dupla tributação de IBS e CBS sobre o mesmo serviço, onerando consideravelmente o fornecimento de planos de saúde pelas sociedades.


– Quais devem ser os impactos dessa mudança sobre as empresas e seus funcionários? Como você avalia a medida?

Mariana Longo e Priscila Alves: Impedir que empresas aproveitem o crédito gerado com despesas de contratação de planos de saúde pode acabar por desestimular a oferta do benefício aos funcionários, o que, por sua vez, poderá sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS). 

Anna Flávia Silva e Marina Guimarães: Como mencionado, haverá incidência de IBS e CBS no fornecimento gratuito ou a valor reduzido de planos de saúde para as sociedades que disponibilizarem esses serviços a seus empregados. Além disso, como também já colocado, as despesas com os planos não serão dedutíveis. Como consequência, a oferta desse tipo de benefício será muito mais cara para as sociedades, pois será necessário assumir o custo do próprio plano e eventual custo tributário incidente.

Em síntese, o objetivo do PLP 68/24 é que os custos com planos de saúde sejam incorporados à remuneração dos empregados, mas sem que isso apresente uma dedução para a sociedade empregadora.

Em nosso entendimento, esse tipo de medida desestimula que as empresas ofereçam os planos de saúde corporativos, impactando não apenas os funcionários, mas também as próprias seguradoras de saúde e possivelmente trazendo sobrecarga para o Sistema Único de Saúde (SUS) nos casos em que houver cancelamento por completo dos planos. Ou seja, pessoas que antes conseguiam ser atendidas na rede privada passarão a precisar utilizar o sistema público para suas demandas de saúde. Essa é uma medida polêmica que deve ser acompanhada nas discussões do PLP 68/24 no Congresso Nacional.


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