A polêmica da tributação de dividendos

Fim da isenção, que vale desde 1996 no Brasil, está no texto da reforma tributária

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O substitutivo da reforma do imposto sobre a renda apresentado pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) prevê a volta da tributação dos dividendos no País. Não é a primeira vez que essa discussão surge, e neste momento está em voga por ter sido incluída na segunda fase da reforma tributária, que está em tramitação no Congresso. A proposta, incluída no Projeto de Lei 2.337/21, prevê uma alíquota de 20% para os dividendos.

A prática de isenção não é comum no mundo, como observa Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. “O Brasil é um dos únicos países que não tributa dividendos. Na Europa, essa tributação, segundo levantamento da Tax Foundation, incide a uma alíquota média de 25%”, destaca. Apesar disso, avalia, a tributação sobre os dividendos precisa de um estudo sistêmico. “Afinal, a carga tributária e o sistema tributário dos países europeus são muito diferentes do caso brasileiro. É preciso avaliar qual o real impacto tributário do IR sobre as empresas e sobre os acionistas e encontrar um equilíbrio para a tributação dos dividendos”, pondera.

Outro aspecto relevante está relacionado à combinação das tributações de sócios e empresas. “Se os parlamentares decidirem por tributar os dividendos, há que se reduzir a alíquota das empresas para que a carga tributária final seja, no mínimo, compatível com a atual”, opina.

A seguir, Braichi e Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, detalham outros aspectos da tributação de dividendos e suas repercussões para empresas e sócios.


Como funciona hoje a dinâmica da tributação de dividendos no Brasil e qual a lógica por trás dela? Desde quando esse mecanismo está em vigor?

Thiago Braichi: O Projeto de Lei 2.337/21 e seu substitutivo apresentaram proposta de tributação sobre os dividendos, à alíquota de 20%. A Lei das S.As. (Lei 6.404/76) impõe que as empresas destinem parte do seu lucro líquido aos seus acionistas. Essa forma de remuneração é o que se chama de dividendo. Essa expressão de riqueza, que constitui renda para os acionistas, seria passível de tributação pelo imposto de renda (IR). No entanto, desde a publicação da Lei 9.249/95, os dividendos são isentos.

Há casos excepcionais nos quais haverá tributação de imposto de renda. Por exemplo, quando forem distribuídos dividendos além dos lucros apurados pela sociedade. Essa situação pode ocorrer a partir do adiantamento de dividendos, prática comum entre as empresas, que consiste em distribuir “lucros” antes do fechamento do exercício. Assim, por vezes, a sociedade distribui lucros ao longo do ano, a título de adiantamento, e, ao fim do exercício, percebe que sequer teve lucro para distribuir. Logo, essas distribuições não se deram em razão de resultado apurado, e, portanto, perdem a isenção e serão tributadas pelo IRRF.

Paulo Coimbra: Desde 1996, o Brasil adotou o regime monofásico de tributação da renda gerada pelas pessoas jurídicas. Nessa sistemática, a renda é tributada unicamente na pessoa jurídica, não havendo nova incidência por ocasião de sua eventual distribuição aos acionistas ou sócios.
No regime bifásico, que prevaleceu até 1995 cujo retorno é objeto da proposta encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo federal, a cobrança se faz em dois momentos distintos: num primeiro, na pessoa jurídica, e, num segundo momento, por ocasião de sua distribuição.

Diferentemente do que se tem propalado, ao se considerar cargas tributárias similares, o regime monofásico costuma ser mais vantajoso para a o fisco, pois a arrecadação ocorre antes (de forma mais rápida, pois não fica, ao menos em parte, dependendo de eventual distribuição de resultados); alcança a renda em seu maior valor (pois, via de regra, dificilmente todo o lucro auferido pela pessoa jurídica será objeto de distribuição); e operacionaliza-se de forma mais simples e prática, evitando várias discussões entre fisco e contribuintes em torno que controvérsias que no passado já deram muita dor de cabeça, tais como distribuição disfarçada de lucros.

A menos que se pretenda promover um aumento da tributação com o retorno da sistemática bifásica (mediante tributação de dividendos), a tributação de dividendos não é medida inteligente, quer sob o ponto de vista de técnicas de arrecadação, quer sob o ponto de vista econômico.


Ao retomar a tributação desses rendimentos o País de alguma forma se alinha às tendências internacionais nesse aspecto do sistema tributário?

Thiago Braichi: É sabido que o Brasil é um dos únicos países que não tributa dividendos. Na Europa, a tributação sobre dividendos, segundo levantamento da Tax Foundation, incide à média de 25%, sendo que França, Espanha e Alemanha tributam essa riqueza às alíquotas de 34%, 23% e 26,4%, respectivamente.

No entanto, a tributação sobre os dividendos necessita de um estudo sistêmico. Afinal, a carga tributária e o sistema tributário dos países europeus são muito diferentes do caso brasileiro. É preciso avaliar qual o real impacto tributário do IR sobre as empresas e sobre os acionistas e encontrar um equilíbrio para a tributação dos dividendos. Nesse sentido, o que se busca é uma transição entre tipos distintos de tributação sobre as pessoas jurídicas: a tributação unicamente sobre os lucros da empresa — situação em que se enquadra o Brasil; a tributação tanto sobre os lucros da empresa quanto sobre os dividendos, caso no qual se enquadra a maior parte dos países e em que a reforma pretende colocar o País.

O Brasil, tal como proposto, passaria da tributação unicamente na pessoa jurídica para a tributação dos lucros da empresa e nos dividendos. Nesse sentido, é imprescindível que a alíquota do IRPJ seja repensada, de forma a equilibrar o ônus tributário acarretado pela tributação dos dividendos. Em outras palavras: se os parlamentares decidirem por tributar os dividendos, há que se reduzir a alíquota das empresas para que a carga tributária final seja, no mínimo, compatível com a atual.

Frente ao cenário de crise mundial com a pandemia, deveriam ser estipuladas medidas de incentivo à inciativa privada e para recuperação econômica. No entanto, o que nos foi apresentado pela reforma é um inegável aumento da carga do IR, o que é inadmissível, considerando a conjuntura econômica atual.

Paulo Coimbra: A maioria dos países adota atualmente o modelo bifásico. O que não quer dizer que ele seja o melhor. A par disso, para ser promover uma comparação inteligente, é preciso comparar a tributação como um todo, e não se apegar a dados isolados que podem sustentar discursos tendenciosos.

Não se pode desprezar, por exemplo, o nível de desenvolvimento do país — normalmente, países em desenvolvimento, mesmo no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), têm alíquotas mais competitivas) —, a qualidade do retorno com serviços públicos (quanto melhor a qualidade dos serviços públicos, maior a tolerância a uma cobrança mais elevada de tributos) e a distribuição da carga tributária com o um todo. No Brasil, por exemplo, há uma concentração da tributação muito elevada sobre o consumo.

Portanto, um aumento da tributação sobre a renda deveria ser acompanhada de uma redução (ou desconcentração) da tributação sobre o consumo. O que seria muito difícil de se implementar no Brasil, onde a tributação sobre a renda é feita pela União e a tributação sobre o consumo se dá em todos os níveis da federação (União, estados, municípios e Distrito Federal).


Na sua avaliação, é pertinente a cobrança de imposto de renda sobre os dividendos? Por quê?

Thiago Braichi: A cobrança de IR sobre dividendos, em si, é uma alternativa plausível — inclusive, o Brasil já fez essa tributação, até 1995. É questionável, porém, que a revogação da isenção acabe por aumentar drasticamente a carga tributária total. Assim, é necessário que o IR seja repensado como um todo para que a tributação de dividendos seja mera distribuição do ônus tributário aos acionistas e não aumento da carga tributária.

Ademais, se prevê que a volta da tributação dos dividendos levará a uma proliferação de discussões em torno da distribuição disfarçada de lucros (DDL), e poderá gerar novos contenciosos, como o aumento da chamada pejotização.

A DDL é forma de repasse de lucros entre empresas e pessoas ligadas, por meio da realização de operações com condições de favorecimento. As discussões que envolvem DDL reduziram muito com a isenção sobre dividendos, o que pode mudar com a volta da tributação.

A pejotização, muito discutida no âmbito trabalhista, consiste na criação de pequenas empresas, ou figuras de microempreendedor individual (MEI), com o fim de se reduzir custos. A reforma pode impulsionar a pejotização e reorganizações societárias para otimizar o custo tributário. Isso se deve ao fato de que são isentos os dividendos pagos por microempresas e empresas de pequeno porte até o montante de 20 mil reais por mês.

Paulo Coimbra: Ela pode ocorrer. Trata-se de uma opção de política fiscal. Como dito, a opção mais prática e inteligente, sob ponto de vista arrecadatório, é o modelo monofásico (atualmente adotado no Brasil), sem nova cobrança do IR sobre o resultado/lucro distribuído.

Caso se decida pela tributação dos dividendos, evidentemente, tal previsão deve ser acompanhada de uma correspondente redução da alíquota do IRPJ, de forma a se evitar elevação da carga tributária, que no Brasil já atinge níveis bastante elevados.


Na proposta em tramitação, como fica a tributação das empresas? Haveria o risco de, com a instituição da cobrança dos dividendos, a carga para os sócios e as pessoas jurídicas aumentar?

Thiago Braichi: Atualmente, as empresas são tributadas por IRPJ (15% e 10% de adicional) e CSLL (9%), totalizando uma alíquota efetiva de 34%. O Projeto de Lei 2.337/21, por sua vez, propõe a tributação dos dividendos por imposto de renda retido na fonte (IR-fonte) à alíquota de 20%. Como forma de equalizar a tributação de IR na pessoa física, o projeto propõe a redução da alíquota de IRPJ, que será de 12,5% em 2022 e 10% a partir de 2023. Entretanto, a redução da alíquota de IRPJ não compensa o aumento da carga provocado pela tributação dos dividendos, pois resulta em uma alíquota efetiva de 45%.

Isso quer dizer que a cada 100 reais de lucro, no regime atual, chegam ao bolso do acionista 66 reais, enquanto no cenário pós-reforma chegarão apenas 56,80 reais.

Portanto, há claro aumento da carga tributária. Foi grande a pressão em relação a esse aumento efetivo, tanto que no substitutivo apresentado pelo relator do PL, Celso Sabino, é prevista a redução do IRPJ até 2,5% a partir de 2023. Apesar da aparente redução, temos, ainda, que o impacto tributário total ultrapassa os 37%. Nesse sentido, com o substitutivo, a cada 100 reais de lucro, o acionista faz jus a 62,80 reais, em vez dos 66 reais que a regra atual proporciona.

Dessa forma, resta aguardar que as discussões sobre a proposta amadureçam e sejam repensadas as estruturas propostas, de forma a não onerar ainda mais as pessoas jurídicas, especialmente nesse momento de recuperação econômica.

Paulo Coimbra: Com base na proposta originalmente apresentada pelo governo federal, o aumento da carga tributária seria evidente e inexorável. Com base nos substitutivos apresentados, que inseriram uma redução mais contundente da alíquota base do IRPJ, esse efeito foi amenizado. Contudo, mesmo após a alteração da proposta (caso prevaleça), alguns setores (especialmente o de serviços) será fortemente impactado com um aumento muito significativo da carga tributária.


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